10 de fev. de 2012

O resultado parece acertado, mas haveria como aceitar essa fundamentação ?

A Turma reconheceu o direito de ex-aluno do curso de medicina a abater as mensalidades pagas à faculdade sem o desconto das disciplinas que não cursou, seja decorrente daquelas em que já fora aprovado, seja daquelas isentas em razão do curso anterior. No caso, o recorrente fora reprovado em uma matéria na segunda série e em duas matérias na terceira série, bem como fora dispensado de cursar quatro disciplinas em decorrência de ter sido discente de outra faculdade de ciências sociais, contudo teve de pagar a mensalidade integral do semestre. No entendimento do Min. Relator, não é razoável exigir que o aluno pague o valor total da mensalidade, pois não há equivalência na contraprestação da recorrida, na medida em que a carga horária não é proporcional ao valor cobrado. Tal conduta fere a boa-fé objetiva, que deve reger a ação das partes da relação contratual. Destarte, a previsão contratual e/ou regimental que imponha o pagamento integral da mensalidade, independentemente do número de disciplinas que o aluno cursar, mostra-se abusiva por trazer vantagem unilateral excessiva para a fornecedora de serviço educacional. Precedentes citados: REsp 334.837-MG, DJ 20/5/2002; AgRg no Ag 906.980-GO, DJ 22/10/2007, e AgRg no Ag 774.257-MG, DJ 16/10/2006. REsp 927.457-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/12/2011.

6 comentários:

Anônimo disse...

Prezado marcos,
Prezo muitos seus comentários, pois você sempre fala com propriedade. Como já trablahei no STJ, te digo: essas notícias são feitas pela imprensa daquele Tribunal. Portanto, são mais voltadas à sociedade como um todo (isto é, aos leigos). Por isso, por vezes usam termos equivocados e deixam de abordar pontos fáticos0jurídicos dos acórdãos de suma relevância e interesse para a comunidade jurídica. O melhor é sempre abrir as decisões. Veja trecho dessa decisão, por exemplo:
Inicialmente, cumpre observar que Sergio Cavalieri Filho anota as novas tendências no campo contratual, consignando que - atualmente - o contrato é visto como expressão de cooperação entre as partes, sendo que "a ideia que deve prevalecer é a de um equilíbrio razoável da relação jurídica, em todos os seus aspectos (formais, materiais, econômicos e éticos)":
[...]
Também, o magistério de Cláudia Lima Marques, para quem a "boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação 'refletida', uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes". (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, v. I, p. 106-107.)
3.2. Portanto, não é razoável a exigência de que o aluno pague o valor total da mensalidade, pois não há equivalência na contraprestação da ré, na medida em que a carga horária não é proporcional ao valor cobrado.
[...]
Ademais, é conveniente observar que, a par da boa-fé objetiva, os princípios da função social do contrato, equivalência material (também denominado princípio da proporcionalidade) e do equilíbrio, que também informam as relações consumeristas, igualmente vedam a referida conduta:

Marcos Catalan disse...

Caríssimo leitor.
Espero que minhas reflexões possam ser lidas por ti.
Primeiro, agradeço suas palavras gentis.
Depois, como penso ter percebido bem, uma das ideias do blog é tirar as pessoas do estado de letargia, fazendo-as refletir, por meio de provocações nos títulos e as vezes no conteúdo dos posts.
Esse é um desses casos.
Aliás, de fato, tens toda razão que nem sempre o conteúdo dos informativos expressa toda a riqueza de cada julgado, embora, por outro lado, infelizmente, uma parcela das decisões proferidas pelos tribunais tupiniquins deixem a desejar.
...
Mas penso que essa não é a hipótese no caso, a baliza sistêmica mais importante é a equivalência das prestações ou equilíbrio material e não a boa-fé, que tem sido invocada como remédio para qualquer problema na seara negocial.
Por isso mesmo destaquei o acerto do resultado por uma via reflexa.
Aliás, nessa decisão, há um problema ainda mais grave que o apontado e que consiste na exigência de ma-fé como suporte para a repetição em dobro de valores cobrados indevidamente.
...
Uma vez mais agradeço suas observações.

Anônimo disse...

Prezado Marcos,
Estive pesquisando no site do STJ e vi que o Ministro Herman Benjamin ficou vencido em um acórdão, justamente por entender desnecessária a má-fé para a repetição em dobro dos valores cobrados indevidamente. É também o que defende a maior parte da doutrina. Estive refletindo: ele está liderando a comissão que proporá revisão ao CDC. Então, vamos torcer para que ele proponha anteprojeto que explicite a desnecessidade da má-fé. Tomara que ele esteja pensando nisso!!! Seria muito importante e um marco, no que tange ao respeito ao consumidor, nas relações consumeristas. Você sabe de algo a respeito?

Marcos Catalan disse...

Sem dúvida há iniciativas visando a banir essa leitura atrasada da questão.
Quiçá se tornem a regra.
Vou tentar me informar acerca dos pontos que apontas ...
Forte abraço.

Anônimo disse...

Prezado Marcos,
Estive refletindo e acho que está certo mesmo entender ter havido violação da boa-fé objetiva. Pensei no meu caso pessoal. Cursei faculdade sem nenhuma reprovação e sem ter aproveitado disciplina cursada em outro curso. Com efeito, no meu caso não haveria como ser invocado a materialização da violação dos princípios que você mencionou, mas ainda assim teria que ser reconehcido que não houve boa-fé objetiva por parte da faculdade, isto é, que houve a concretização da violação desse princípio. Em outras palavras: a previsão contratual ou regimental que preveja pagamento integral para cursar só a disciplina reprovada, sempre violará a boa-fé objetiva. Ademais, seria justamente a boa-fé objetiva, ou seja, a alegação da violação dos deveres anexos que caracterizariam claramente meu interesse de agir numa eventual ação revisional que propusesse logo que me matriculei na faculdade. Afinal, um juiz muito "processualista" ou que quisesse apenas números, poderia, numa hipótese absurda, eventualmente, extinguir de pronto o processo, por ausência de interesse de agir (condição da ação), visto que a violação do princípio equilíbrio ou do princípio da equivalência material só estariam caracterizados, caso eu viesse ter a mesmo prejuízo. Enfim, poderia vir com a ladainha de que havia apenas uma conjectura que nem se sabe se seria concretizada para, então, realmente, afetar meus direitos (bem jurídico tutelado). E, de fato, se a hipótese fosse real, teria me formado sem ter tido prejuízo e, por conseguinte, interesse de agir, no que tange à pretensão de revisão dessa hipotética cláusula contratual, que para mim mostrou-se "inofensiva". Falei muita bobagem?

Marcos Catalan disse...

Querido leitor,
Pensar sempre faz bem,
Ademais, quem é que tem autoridade na contemporaneidade para dizer o que é certo ou errado, quando se percebe que boa parte das promessas feitas na Modernidade são inalcançáveis.
...
Suas reflexões, dentre outros aspectos, resgatam a discussão sobre a possibilidade (a) de entender-se como caracterizada a ilicitude sem que haja dano e (b) de surgimento do dever de reparar, sem esse.
...
Forte abraço.