15 de mar. de 2011

Considerações breves sobre a necessidade de atualização do CDC

Dia do consumidor... 15 de março... e eis o CDC com vinte anos de vigência! Belos e frutíferos anos que fizeram o brasileiro exigir respeito e ser respeitado nas relações consumeristas. Mas a sociedade evoluiu muito desde 1990 – e a tecnologia também – sem falar aqui na importância do fator “globalização”. Por isso, para acompanhar o incessante progresso, foi instituída pelo Senado, recentemente, uma Comissão para elaborar o anteprojeto do novo Código de Defesa do Consumidor. Coube, pois, ao ministro do STJ Herman Benjamin a direção dos trabalhos e da equipe, composta, dentre outros membros, por Ada Pellegrini Grinover e Claudia Lima Marques.

Esse anteprojeto será apresentado até o mês de julho e deverá englobar algumas das mais de 30 propostas que atualmente tramitam nas duas Casas do Congresso Nacional. Antes disso, serão ouvidos setores específicos da sociedade, tais como o PROCON, o Ministério Público, os bancos, o Poder Judiciário etc. Além do mais, teremos a realização de audiências públicas nas principais cidades do país.

Num primeiro momento, observamos que os temas de algumas das propostas em tramitação já constam do atual texto do CDC, às vezes de modo genérico. Mesmo assim, não visualizo problema, pois, nesse caso, é um reforço, não há prejuízos para o consumidor.

Por outro lado, temos propostas dignas de menção, dentre tantas outras, que são muito úteis. Por exemplo, o PLS 21/2010, que estabelece o direito do consumidor de pagar contas vencidas utilizando os mesmos meios a ele disponibilizados (da mesma forma e no mesmo banco) para efetuar o pagamento antes do vencimento. Outra proposta merecedora de destaque (PLS 282/2010) é a que dispõe ser abusiva a publicidade de alimentos que induza o público infantil a padrões incompatíveis com a saúde, especialmente daqueles que contenham quantidades elevadas de açúcar, gordura saturada e trans, sódio etc.

Além disso, há um outro projeto de Lei no Senado (PLS 274/2010) que versa sobre a proteção do consumidor em operações realizadas por meio eletrônico com a finalidade de estabelecer que a segurança nas transações por meio eletrônico e o sigilo das informações prestadas são direitos básicos do consumidor. Nesse sentido, o projeto determina que “os nomes completos, endereços eletrônicos, telefones e endereços geográficos do fabricante do produto, do prestador do serviço e do ofertante do produto ou serviço devem ser ostensivamente informados nas páginas eletrônicas em que o produto ou serviço for ofertado; sendo válidas as citações e intimações entregues no endereço informado, sendo vedada a violação do sigilo das transações eletrônicas realizadas pelo consumidor, bem como a exigência de qualquer informação sensível ou que represente intromissão em sua vida privada, estabelecendo pena de detenção de seis meses a um ano ou multa para aquele que vender, ceder, doar ou compartilhar informação pessoal relativa a consumidor, obtida em transação por meio eletrônico”.

As propostas acima referidas farão parte do anteprojeto do CDC que será apresentado ao Senado Federal até o mês de julho. Todos estão preocupados com as prováveis mudanças – de um lado os cidadãos e os órgãos de proteção e defesa do consumidor e de outro os mais variados fornecedores de produtos e prestadores de serviços. E é natural essa preocupação. Acima de tudo, é muito bem-vindo o debate.

Inclusive, o crédito bancário para consumo, um dos temas de grande importância e que deve nortear mudanças significativas no CDC, foi até incluído na pauta para o próximo encontro de cúpula do G-20 (grupo de países em desenvolvimento criado em 2003) a ser realizado no fim do ano, visto que o consumidor financeiro deve ter, na atual conjuntura, uma maior proteção do Estado. Eis um valioso feito do IDEC.

Algumas entidades acham que as mudanças podem frear o consumo, engessar o CDC. Todavia, não vejo dessa forma. A nossa sociedade ainda carece da intervenção estatal. O intervencionismo do Estado nas relações entre consumidores e fornecedores é extremamente necessário em virtude da persistente desobediência às normas consumeristas, em razão do contínuo desrespeito ao consumidor. Se as novas normas não prejudicarem o consumidor, não há motivo para preocupação, como já disse, pois, no mínimo, reforçarão o que já está no CDC.

Todas as relações de consumo são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e por seus por princípios protetivos, tais como o da boa-fé contratual, da informação, da lealdade e da função social do contrato – dentre outros. Lembremos que o Código Civil também pode ser aplicado conjunta ou subsidiariamente, desde que não contrarie os direitos do consumidor.

Assim, verificamos que o CDC continua atual; todavia, necessita de alguns pequenos ajustes para sua atualização e aperfeiçoamento em virtude da evolução social (leia-se maior poder aquisitivo), da ampliação do mercado (aumento da oferta de crédito) e das novas tecnologias e formas de contratação (via eletrônica, internet, por exemplo).

Por isso, o anteprojeto (a ser ainda apresentado) visará acrescentar novos artigos tendo em vista três pontos importantes, que nortearão as mudanças: 1º) comércio eletrônico; 2º) superendividamento e 3º) reforço dos PROCONs.

Primeiramente, a prática do comércio eletrônico mudou a vida do consumidor, visto que agora tem menos tempo para sair às compras. Hoje, é uma forma de contratar que cresce assustadoramente, é um crescimento inevitável, é um caminho sem volta. A cada dia que passa, compramos mais e mais através da internet e isso, muitas vezes, faz com que o consumidor tenha os seus direitos desrespeitados pelo fornecedor de produtos e serviços. Tanto é verdade que o PROCON tem recebido milhares de reclamações originadas de relações consumeristas realizadas na internet.

O comércio eletrônico merece, agora, uma regulação mais específica para poder acompanhar a evolução tecnológica e as atuais práticas do consumidor. É necessário reforçar o direito básico à transparência, à informação (arts. 2º e 6º, III, do CDC) sobre as características, composição, qualidade e preço dos produtos e dos serviços. E a informação deve ser prestada de forma completa, evitando a propaganda enganosa e abusiva.

Devemos reforçar também as normas referentes ao direito de arrependimento do consumidor.

Segundo, o crescimento do comércio eletrônico fez surgir novas e várias reclamações dos consumidores, de modo que tanto o Poder Judiciário quanto os órgãos de defesa do consumidor, especialmente o PROCON, estão sobrecarregados. Uma das alternativas viáveis no momento é dar maior amplitude ao campo de atuação do PROCON, fortalecê-lo, como reforço de um meio alternativo (extrajudicial) de resolução dos problemas entre consumidor e fornecedor.

O Poder Judiciário, nos moldes em que se encontra, está abarrotado de ações e não consegue mais satisfazer a demanda da população num tempo razoável. Nesse contexto, uma solução paliativa é a “desjudicialização”, ou seja, resolver os problemas consumeristas na esfera administrativa, sem a interferência do Poder Judiciário, através do PROCON, da conciliação, da mediação e da arbitragem.

Porém, entendemos que, em pouco tempo, o PROCON estará enfrentando os mesmos problemas de sobrecarga e falta de recursos. Será, talvez, reduzida a litigiosidade judicial, mas não será reduzida a litigiosidade administrativa enquanto não houver consciência por parte dos fornecedores de produtos e serviços de que devem respeitar o consumidor, de que devem obedecer a lei, seguir as regras do CDC. Eis uma das várias e importantes missões do Ministério Público: fiscalizar, agir para prevenir.

E o terceiro ponto a ser destacado refere-se ao aumento da oferta e do consumo de crédito bancário. Estou falando aqui do empréstimo responsável para evitar o superendividamento do consumidor. Afinal, sempre verificamos, nas mais diversas linhas de crédito (pessoal, comercial e industrial), a desinformação sobre os produtos e serviços bancários, fato que prejudicava os consumidores porque muitas vezes assinavam contratos sem saber das taxas, dos encargos moratórios, dos tributos, dos seguros, do CET (Custo Efetivo Total), enfim, dos seus direitos e deveres contratuais. O crédito ao consumo não deve ser banalizado. Refiro-me também ao consumo consciente do crédito, ao consumo somente quando necessário.

Os bancos sempre souberam da obrigação de informar o consumidor e mesmo assim não cumpriam esse dever. Por tal motivo, o Conselho Monetário Nacional (CMN) editou a Resolução n. 3.517, em vigor desde 03/03/2008, que dispõe sobre o dever de informação e de divulgação do “Custo Efetivo Total” (CET) correspondente a todos os encargos e despesas nas operações de crédito e arrendamento mercantil, contratadas ou ofertadas às pessoas físicas.

Na prática, temos duas conseqüências: os bancos são obrigados a juntar todos os custos da operação de crédito e demonstrar o valor final do financiamento e o consumidor, com isso, pode comparar as condições finais do financiamento em várias instituições. Mas trata-se de resolução, é necessário criar uma lei. O anteprojeto do CDC versará sobre esse tema.

Finalmente, o Código de Defesa do Consumidor é um estatuto revolucionário, sim, mas precisa de reforços, como os que virão. O consumidor é sempre a parte mais fraca, hipossuficiente, e já aí se justifica o protecionismo, não aquele desmedido, mas aquele que tem como finalidade apenas colocar as partes (consumidor e fornecedores de produtos e serviços) em igualdade de condições, pois todos os contratos devem primar pela solidariedade, pelo equilíbrio das prestações e pelo respeito à dignidade da pessoa humana.

Ezequiel Morais – Advogado e ex-conselheiro da OAB. Professor em várias pós-graduações. Coordenador do IESPE. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas o “Código de Defesa do Consumidor Comentado” (Edt. RT), em coautoria com Fábio Podestá e Marcos Carazai”, e “Contratos de Crédito Bancário e de Crédito Rural – Questões Polêmicas” (Edt. Método), em coautoria com Diogo Bernardino.

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