11 de dez. de 2007

Souza Cruz deverá indenizar família de fumante

Na última sexta-feira (07), o 3º Grupo Cível do TJRS negou provimento a recurso da Souza Cruz S.A. mantendo a condenação imposta pela 5ª Câmara Cível. Segundo a nova decisão, a empresa deve indenizar a família de fumante como forma de reparação de danos morais pelo seu falecimento, causado por doenças decorrentes do uso de cigarros da empresa.
A esposa e cinco filhos de Vitorino Mattiazzi, deverão receber R$ 70 mil cada um, e aos dois netos do falecido caberá a quantia de R$ 35 mil cada. Os valores devidos a partir da sessão de julgamento da 5ª Câmara Cível, em 27/06 de 2007, deverão ser corrigidos aplicando-se juros legais a contar da morte, ocorrida em 24/12 de 2001, na ordem de 6% ao ano, até a entrada em vigor do novo Código Civil, em 11/1 de 2003, passando a incidir o percentual de 1% ao mês.
Para o Colegiado a venda de cigarros é lícita. Contudo, “a mera licitude formal da atividade comercial não exonera a demandada de reparar prejuízos gerados por si comercializados e distribuídos”.
Em primeiro grau a família alegara que o único fator de risco que poderia justificar a morte de Vitorino era o tabagismo. Nascido em 1940, Vitorino Mattiazzi começou a fumar na adolescência, chegando a consumir dois maços de cigarros por dia. Em 1998, foi diagnosticado que sofria de câncer no pulmão, vindo a falecer no final de 2001, com a causa mortis “Adenocarcinoma Pulmão”.
A empresa defendeu-se afirmando que exerce atividade lícita e que cumpre regras impostas pelo Governo Federal. Alegou ainda que inexistiu a propaganda enganosa do cigarro ou do nexo de causalidade entre a publicidade e a decisão de Vitorino começar a fumar.
A sentença julgou os pedidos improcedentes. A família recorreu da decisão ao TJ. O advogado que atuou em defesa da família foi Roberto Perius.
A 5ª Câmara Cível do TJRS proveu o recurso da família de Vitorino por dois votos a um. O relator, desembargador Paulo Sergio Scarparo considerou que a vontade do indivíduo “estava maculada, quer pela ausência de informações a respeito dos malefícios do produto, seja pela dependência química causada por diversos componentes, especialmente, pela nicotina”. O mesmo entendimento teve o desembargador Umberto Guaspari Sudbrack.
Para o desembargador Pedro Luiz Rodrigues Bossle, que divergiu do relator, “ainda que possam ser superados alguns pontos da tese defensiva da ré, o livre arbítrio inerente ao hábito de fumar acaba por direcionar o julgamento”. O magistrado acrescentou ainda que a sociedade conhece há muito tempo os malefícios do cigarro e que “obviamente a propaganda associa o hábito de fumar com atividades prazerosas”. E concluiu: “Basta força de vontade para parar de fumar”.
No julgamento da última sexta-feira (07), houve a interposição de Embargos Infringentes pela empresa contra a decisão da Câmara. O Grupo é formado pelos integrantes da 5ª e da 6ª Câmaras Cíveis do TJRS. Para o Desembargador Ubirajara Mach de Oliveira, relator do julgamento, demanda da família tem que ser analisada dentro das relações de consumo.
Registrou o magistrado que “beira as raias da má-fé a alegação de que o óbito teria decorrido de culpa exclusiva do fumante, na medida em que a própria embargante reconhece que o tabagismo é, pelo menos, um fator de risco para as doenças que vitimaram o autor”.
Os Desembargadores Jorge Luiz Lopes do Canto, Paulo Sérgio Scarparo e Umberto Guaspari Sudbrack acompanharam as conclusões do voto do relator.
Para o desembargador Osvaldo Stefanello, que presidiu o julgamento, o suporte para a configuração do dever de reparação a título de dano moral é a caracterização de ato ilícito que seria praticado pela empresa, o que não teria ocorrido no caso.
“Do que se extrai dos autos é que o falecido passou a fumar desde cedo e continuou fumando por sua livre e espontânea vontade ou por seu livre arbítrio, não por ser induzido a tanto, em razão da publicidade das marcas de cigarros produzidos e comercializados pela empresa”, concluiu o magistrado. Acompanharam essas conclusões os desembargadores Leo Lima e Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura. (Proc. 70022057582).
Veja a íntegra.da decisão:
Responsabilidade civil. Tabagismo. Câncer pulmonar. Morte. Prescrição. Não ocorrência. Código de proteção e defesa do consumidor. Aplicabilidade. inversão do ônus da prova. Possibilidade. Nexo causal verificado. Dano moral configurado. Não há falar em prescrição no caso em comento, pois a pretensão indenizatória apenas iniciou seu curso com o falecimento do de cujus.
É inconteste que a atividade laborativa desenvolvida pela demandada é lícita. Contudo, a mera licitude formal da atividade comercial não exonera a demandada de reparar prejuízos gerados aos indivíduos pelo consumo dos produtos por si comercializados e distribuídos. Não observância do princípio da boa-fé objetiva, princípio esse que deve balizar toda e qualquer relação. Ainda, a omissão da demandada na prestação das informações precisas sobre o produto pode vir a ser configuradora de ato ilícito.
Outrossim, não há falar em liberalidade/voluntariedade do usuário do tabaco. Isso porque, a voluntas do indivíduo estava maculada, quer pela ausência de informações a respeito dos malefícios do produto, seja pela dependência química causada por diversos componentes, especialmente, pela nicotina.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor aplica-se ao caso em concreto.
Viável a aplicação da inversão do ônus da prova, cabendo à demandada desabonar a
alegação da parte-autora pertinentemente à causa da enfermidade.
O dano moral é reputado como sendo a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo da normalidade, interfere no comportamento psicológico do indivíduo, causando aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. No caso, tal situação se verifica.
Na mensuração do dano, não havendo no sistema brasileiro critérios fixos e objetivos para tanto, mister que o juiz considere aspectos subjetivos dos envolvidos. Assim, características como a condição social, a cultural, a condição financeira, bem como o abalo psíquico suportado, hão de ser ponderadas para a adequada e justa quantificação da cifra reparatório-pedagógica.
Apelação Cível - Quinta Câmara Cível
Nº 70017634486 - Comarca de Cerro Largo
SONIA MARIA HOFFMANN MATTIAZZI E OUTROS - APELANTE
SOUZA CRUZ S A - APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em dar provimento ao apelo, vencido o Desembargador Pedro Luiz Rodrigues Bossle.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Pedro Luiz Rodrigues Bossle (Presidente e Revisor) e Des. Umberto Guaspari Sudbrack.
Porto Alegre, 27 de junho de 2007.
DES. PAULO SERGIO SCARPARO,
Relator.
RELATÓRIO
No desiderato de evitar tautologia, adoto o relatório da sentença de primeiro grau, in verbis:
Sônia Maria Hoffmann Mattiazzi, Maria Ester Mattiazzi Karnikowski, Ernesto Sebastião Mattiazzi, Rafael Antônio Hoffmann Mattiazzi, Ricardo Luís Marttiazzi, Márcio Luciano Mattiazzi, Vitória Alessandra de Mattos Mattiazzi e Vítor Antônio Mattiazzi ajuizaram a presente Ação Reparatória por Danos Morais contra a Souza Cruz S.A., qualificados
Disseram que Vitorino Mattiazzi, esposo, genitor e avô dos autores, nasceu em 25/06/1940 e começou a fumar na adolescência, sendo na época motivo de glamour. Fumava cigarros da marca e fabrico da demandada, notadamente “Hollywood”. Chegou a fumar aproximadamente dois maços por dia. Em meados de 1998, por vários exames e tratamentos, percebeu-se ser portador de “Câncer de pulmão”. Faleceu em 24/12/2001, sendo a causa mortis “Adenocarcinoma Pulmão”. O único fator de risco de Vitorino era o tabagismo. Requereu a condenação em danos morais no valor de 600 salários mínimos para a viúva, 500 salários mínimos para cada filho e 250 salários mínimos para cada neto
Apresentou a ré sua contestação. Alegou ser lícita a sua atividade, não gerando responsabilidade a colocação do produto no mercado. Cumprimento das regras impostas pelo Governo Federal. Fez considerações acerca do produto - cigarro. Defendeu a inexistência de propaganda enganosa sobre o cigarro, do nexo de causalidade entre a publicidade da ré e a decisão de começar a fumar, bem como da origem do tumor de Jacob Schor.
Manifestou-se a parte autora.
Juntados vários documentos aos autos.
Na instrução, foi colhido o depoimento pessoal de Sônia Maria Hoffmann Mattiazzi e inquiridas duas testemunhas arroladas pela parte ré.
Apresentaram as partes seus memoriais.
Acrescento que, nas fls. 1391-1396, sobreveio sentença, vazada nos seguintes termos:
ISSO POSTO, julgo improcedentes os pedidos feitos por Sônia Maria Hoffmann Mattiazzi, Maria Ester Mattiazzi Karnikowski, Ernesto Sebastião Mattiazzi, Rafael Antônio Hoffmann Mattiazzi, Ricardo Luís Marttiazzi, Márcio Luciano Mattiazzi, Vitória Alessandra de Mattos Mattiazzi e Vítor Antônio Mattiazzi nesta Ação Reparatória por Danos Morais ajuizada contra a Souza Cruz S.A., qualificados.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios que fixo em R$ 500,00, pelo trabalho realizado. Fica suspensa a exigibilidade em face da concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da Lei 1.060/50.
Irresignados, os autores apelaram nas fls. 1399-1412, reforçando os argumentos expendidos durante a instrução do feito, pugnando pela procedência dos pedidos declinados na exordial.
Contra-razões nas fls. 1416-1467.
É o relatório.
VOTOS
Des. Paulo Sergio Scarparo (RELATOR)
1) DA PRESCRIÇÃO
Inicialmente, não há falar em ocorrência de prescrição no caso em debate.
Sob a óptica do Código Civil, a matéria prescricional encontra-se regulada no art. 206, § 3º, V, do Código Civil, que estabelece a prescrição para a pretensão da reparação civil em três anos.
Isso porque, pela regra de transição do art. 2.028 do CC, os prazos reduzidos pela atual código prevalecerão em detrimento dos anteriores, desde que não decorrido mais da metade do prazo outrora vigente, caso esse o dos autos.
É que a pretensão indenizatória, no caso, teve seu curso deflagrado com o falecimento do de cujus em 24/12/01 (fl. 16). À época, vigia o Código Civil de 1916, porém, aplicando-se a regra de transição insculpida no art. 2.028 do CC/02, aplica-se o prazo prescricional trienal previsto no art. 206, § 3º, V, do atual diploma civilista. Referido prazo, por seu turno, passa a ser contado da data da entrada em vigor do novel Código Civil, qual seja, 11/01/2003.
Dessa forma, considerando-se que a ação foi ajuizada no dia 16/03/05, o prazo prescricional ainda não havia decorrido quando do ingresso ― prazo esse que expiraria em 11/01/2006.
Mesma conclusão se chega se a questão for apreciada sob os ditames do CPDC. Dispõe o art. 27 do diploma consumerista que a pretensão do consumidor contra o fornecedor prescreve em cinco anos contados da ciência do fato.
Em assim sendo, uma vez que a morte do de cujus, fundamento da pretensão deduzida, ocorreu em 24/12/01, o prazo prescricional qüinqüenal findar-se-ia em 24/12/2006, razão pela qual é de ser afastada a preliminar de prescrição ventilada pela demandada.
Des. PEDRO LUIZ RODRIGUES BOSSLE (REVISOR)
De acordo.
Des. UMBERTO GUASPARI SUDBRACK (VOGAL)
De acordo.
Des. Paulo Sergio Scarparo (RELATOR)
2) DOS FATOS
Relatam os autores que Vitorino Mattiazzi ― esposo, pai e avô dos autores ― adquiriu o hábito de fumar quando ainda na adolescência, na década de 1950. Asseveram que o de cujus consumia os cigarros comercializados pela demandada, em especial o da marca Hollywood. Aduzem que, em virtude do consumo excessivo de tabaco, acabou por adquirir moléstia pulmonar, que culminou com sua morte. Relatam que o cigarro tem em sua composição elementos que tornam os usuários dependentes, assim como causam câncer a longo prazo em seus consumidores.
Com efeito, inconteste que o autor faleceu em decorrência de problemas pulmonares, mais precisamente de adenocarcinoma pulmonar (fl. 16). Embora a demandada ponha em xeque tal assertiva, não trouxe aos autos elementos ou provas a darem baluarte a sua incógnita.
A sublinhar, outrossim, que os atestados e prontuários médicos amplamente ilustram todo o quadro clínico do de cujus desde a constatação da doença até o seu falecimento.
Por exemplo, o documento da fl. 36, firmado pelo Dr. Dalton D. Steffens, no qual foi atestado que Vitorino Mattiazzi apresentava bronquite asmática e doença bronco-pulmonar obstrutiva com enfisema avançado, inclusive sendo atestado sua incapacidade definitiva para o trabalho, isso em 29/10/1999. No mesmo sentido, o atestado da fl. 38, firmado pelo Dr. Paulo Vartan Steffen.
Ainda, o de cujus foi submetido a tratamento radioterápico, consoante se afere da fl. 41 do caderno processual.
Dessa forma, a doença que acometia Vitorino Mattiazzi encontra-se devidamente comprovada, uma vez que o diagnostico dela restou amplamente demonstrado no bojo do presente feito, inclusive sendo a determinada como causa mortis do de cujus (fl. 16).
A ressaltar, apenas, que não procede a alegação da requerida a respeito da suposta tuberculose que afligia o de cujus. Primeiro, não há provas suficientes nos autos a corroborar essa assertiva. Segundo, o próprio médico indicado pela ré para ser ouvido em juízo, Dr. Eduardo Jorge Ferreira de Medeiros, embora tenha dado a entender, num primeiro momento, que padecida o Sr. Vitorino Mattiazzi desse mal, posteriormente aduziu que não tem como apontar se o paciente teve tuberculose. (fl. 995). Por essas razões, afasto o argumento da demandada.
Avançando, a demandada não contestou pontualmente a alegação dos requerentes de que o de cujus se utilizava dos cigarros vendidos pela demandada. Em momento alguma houve impugnação dessa afirmação. Outrossim, o depoimento pessoal da esposa do finado, Sra. Sônia Maria Hoffmann Mattiazzi, confirma essa alegação, quando relata que o esposo passou a fumar aos 18 anos de idade (fl. 993).
Em assim sendo, resta confirmado que Vitorino Mattiazzi fez uso de cigarros fabricados e distribuídos pela demandada ― em especial da marca Hollywood ― desde os seus 18 anos de idade, bem como veio a falecer em virtude de câncer.
3) DOS MALEFÍCIOS DO CIGARRO
Expostos os fatos, mister voltar-nos aos malefícios do tabagismo, que se mostraram controvertidos nos autos. Adianto, antes de tudo, que não procedem as ilações trazidas à baila pela requerida. Senão, vejamos:
A Organização Mundial de Saúde (OMS) é uma agência especializada subordinada à Organização das Nações Unidas (ONU), tendo por objetivo maior desenvolver ao máximo possível o nível de saúde de todos os povos. Pois bem, essa organização, reconhecida mundialmente, atesta, sem quaisquer ressalvas, que o tabagismo é a principal causa de morte evitável em todo o mundo. E, com efeito, os números são aterradores:
1) 1,2 bilhão de pessoas no mundo são fumantes;
2) 4,9 milhões de pessoas morrem anualmente em decorrência do tabagismo;
3) caso mantidos os índices atuais de expansão do consumo de tabaco, a números de mortes anuais será elevado para 10 milhões ao ano em 2030, sendo a metade dessas mortes de pessoas em idade produtiva (35 a 69 anos).[1]
Outrossim, inafastável o fato ― atualmente público e notório ― que o uso de tabaco pode causar câncer, como também um sem número de outras doenças. O INCA (Instituto Nacional de Câncer), órgão que goza de credibilidade internacional, no seu site (http://www.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=programa&link=introducao.htm), traz um grupo das perguntas mais freqüentemente realizadas a respeito do tabagismo, com suas respectivas respostas. Transcrevo três delas nesse momento:
1) Por que cigarros, charutos, cachimbo, fumo de rolo e rapé fazem mal à saúde?
Todos esses derivados do tabaco, que podem ser usados nas formas de inalação (cigarro, charuto, cachimbo, cigarro de palha), aspiração (rapé) e mastigação (fumo-de-rolo), são nocivos à saúde. No período de consumo destes produtos são introduzidas no organismo mais de 4.700 substâncias tóxicas, incluindo nicotina (responsável pela dependência química), monóxido de carbono (o mesmo gás venenoso que sai do escapamento de automóveis) e alcatrão, que é constituído por aproximadamente 48 substâncias pré-cancerígenas, como agrotóxicos e substâncias radioativas (que causam câncer).
2) Quais os derivados do tabaco mais agressivos à saúde e como agem?
A fumaça do cigarro possui uma fase gasosa e uma particulada. A fase gasosa é composta por monóxido de carbono, amônia, cetonas, formaldeído, acetaldeído e acroleína, entre outras substâncias. Algumas produzem irritação nos olhos, nariz, garganta e levam à paralisia dos movimentos dos cílios dos brônquios. A fase particulada contém nicotina e alcatrão, que concentra 48 substâncias cancerígenas, entre elas arsênico, níquel, benzopireno, cádmio, chumbo, além de resíduos de agrotóxicos aplicados nos produtos agrícolas e substâncias radioativas.
6) Quais são as doenças causadas pelo uso do cigarro?
O tabagismo é diretamente responsável por 30% das mortes por câncer, 90% das mortes por câncer de pulmão, 25% das mortes por doença coronariana, 85% das mortes por doença pulmonar obstrutiva crônica e 25% das mortes por doença cerebrovascular. Outras doenças que também estão relacionadas ao uso do cigarro são aneurisma arterial, trombose vascular, úlcera do aparelho digestivo, infecções respiratórias e impotência sexual no homem. Estima-se que, no Brasil, a cada ano, 200 mil pessoas morram precocemente devido às doenças causadas pelo tabagismo, número que não pára de aumentar.
Ora, manifesta a relação entre o tabagismo e o câncer, uma vez que o produto oferecido pela parte-demandada contém mais de 4.700 substâncias, sendo que, dentre elas, muitas são consideradas, cientificamente, cancerígenas. Ou seja, evidente o liame causal entre o hábito de fumar e a propensão a doenças cancerígenas.
4) DA PRÉ-COGNIÇÃO DA DEMANDADA ACERCA DOS MALEFÍCIOS DO CIGARRO
Nesse item, limito-me a transcrever as razões de decidir do ilustre Des. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano quando da análise da Apelação Cível n. 70000144626, sendo que, do meu ponto de vista, foi quem mais profundamente estudou o tema no âmbito deste Tribunal.
A indústria de tabaco em geral sempre soube e teve pleno conhecimento e consciência de todos os males que o consumo de fumo causa aos seres humanos, de modo que, nessas circunstâncias, a conduta das empresas é evidentemente dolosa, como bem demonstram os arquivos secretos dessas empresas, entre elas a própria antecessora da ora ré, R. J. Reynolds. Ditos arquivos foram revelados nos Estados Unidos, em uma ação judicial movida por estados norte-americanos contra grandes empresas transnacionais de tabaco. Demonstram, tais arquivos secretos, por um lado, o posicionamento público das empresas – posicionamento falso, doloso, para enganar o público – e comprovam, por outro lado, o real posicionamento das empresas, revelado na orientação, apenas para efeitos internos, das organizações fabricantes de cigarros, no sentido de que elas desde sempre tiveram o pleno conhecimento e a consciência de todos os males causados pelo fumo, arquivos esses dos quais adiante se transcrevem excertos, a título de demonstração exemplificativa. (...).
Assim, as empresas produtoras de cigarro, em particular a ora demandada, sabiam e sempre souberam dos imensos malefícios que os produtos que fabricam causam aos fumantes e também aos não-fumantes. A conclusão então é, apenas para ficar no menos, se é que esse ‘menos’ já não é o próprio absurdo maior: o cigarro vicia e mata por câncer e enfisema pulmonar.
A despeito desse conhecimento, os fabricantes sempre exerceram a sua atividade – porque a consideram lícita, e efetivamente é – sem qualquer preocupação de dar ciência aos usuários dos malefícios do uso e sem tomar qualquer atitude para minimizar tais malefícios. Pelo contrário, dolosamente sempre omitiram informações, trabalharam no sentido da desinformação e sempre trataram de enganar o público, consumidor ou não. (...).
Por fim, se ainda restasse alguma dúvida sobre os malefícios do cigarro e sobre a ciência das empresas fabricantes especialmente quanto ao fato de causar dependência química e psíquica, câncer do pulmão e enfisema pulmonar, e desde quando vem essa ciência e conhecimento, é de se lembrar a experiência feita em 1953 pelo médico Ernest Wynder, utilizando ratos de laboratório, relatada por Mário César Carvalho, num livro da série “Folha Explica” (in O Cigarro, Ed. Publifolha, 2001, p. 14), nos seguintes termos:
“A sucessão de fraudes da indústria do cigarro teve início para combater um pesquisador que pintava ratos com nicotina. Em 1953, o médico Ernest Wynder, um judeu alemão que deixara seu país com a ascensão de Hitler, experimentou pincelar o dorso de 86 ratos de laboratório com uma substância obtida da condensação da fumaça do cigarro Lucky Strike. Ele queria ver o que acontecia. Cada rato recebeu, três vezes por semana durante dois anos, 40 gramas de alcatrão destilado (o equivalente à quantidade de alcatrão e nicotina encontrada num maço de cigarros), após ter o dorso raspado com um barbeador elétrico. O resultado foi assustador.
Dos 62 ratos que sobreviveram, 58% tinham desenvolvido tumores cancerígenos. Entre os ratos pintados, 90% morreram nos 20 meses seguintes. No grupo dos ratos que não foram pintados, 58% sobreviveram durante esse mesmo período.
A seguir, após referir a história de registros anteriores de ligação do fumo com o câncer, entre eles um de 1751, do médico londrino John Hill, um de 1859 do francês M. Buisson, um de 1855 de Meta Lander, entre outros, o mesmo autor referido acentua (Op. cit. p. 15)
“Os ratos pintados com nicotina por Wynder, porém, introduziram uma novidade científica: não era só mais um estudo estatístico, nem apenas observação direta, ao contrário do que ocorrera nos textos dos séculos 18 e 19. Pela primeira vez, um experimento de laboratório comprovara o efeito cancerígeno do fumo. O estudo teve repercussão de uma bomba para a indústria. Entre 1953 e 1954, o consumo per capita de cigarros teve queda de 10%. Jornais e revistas adoraram a história dos ratos que desenvolviam câncer”
A indústria entrou em pânico. Sua primeira providência foi contratar uma das maiores empresas de relações públicas dos EUA, a Hill & Knowlton, para tentar neutralizar a repercussão dos ratos pintados com nicotina. Em janeiro de 1954, a resposta da indústria circulou num anúncio de página inteira, publicado em 448 jornais americanos. Sob o título “Uma Declaração Franca para os Fumantes”, o anúncio era categórico nas afirmações: não havia provas científicas de que cigarro causasse câncer; os bioestatísticos poderiam apontar como causa qualquer outro fator ligado à vida moderna, como a poluição de carros e fábricas ou a alimentação industrializada. “Acreditamos que nossos produtos não fazem mal à saúde”, dizia o texto, assinado pelo recém-criado Comitê de Pesquisas da Indústria do Tabaco. Ao final do anúncio, o comitê fazia uma promessa: alardeava que a indústria “aceitava como responsabilidade básica o interesse pela saúde das pessoas, acima de todas as outras considerações de nosso negócio”. Para provar que ela estava interessada em pesquisar o impacto do fumo sobre a saúde, estava lá o comitê de pesquisas, financiado por todos os fabricantes de cigarro
Como se verá era tudo mentira.
A fraude da indústria começou a ser desmontada a partir de 1994, em duas frentes: a da Justiça, na qual advogados conseguiram tornar públicos documentos secretos da indústria, e a dos desertores, formada por funcionários das fábricas que começaram a revelar o que sabiam, movidos pela guerra contra o cigarro, pela consciência culpada e por certo narcisismo, é claro.
O teor dos documentos era exatamente o oposto do discurso que a indústria adotara entre os anos 50 e 90. Em resumo, diziam que o cigarro provocava câncer e infarto e que a nicotina é uma droga que causava dependência.
Há dois gêneros de documento: os científicos e os memorandos do alto escalão da indústria.
O mais antigo dos textos científicos revelados é de fevereiro de 1953, oito meses antes de a pesquisa com os ratos pintados com nicotina ter sido apresentada pela primeira vez. Assinado por Claude Teague, um pesquisador da R. J. Reynolds, o texto associa com o câncer o uso do cigarro por períodos longos: “Estudos de dados clínicos tendem a confirmar a relação entre o uso prolongado de tabaco e a incidência de câncer de pulmão”.
Logo em seguida, o pesquisador descreve quais são os agentes cancerígenos do cigarro:
“compostos aromáticos polinucleares correm nos produtos pirológicos [ou seja, que queimam] do tabaco. Benzopireno e N-bensopireno, ambos cancerígenos, foram identificados nos
destilados”.
Três anos depois da revelação sobre os ratos com tumores, outro pesquisador da R. J. Reynolds, Alan Rodgman, defendia a necessidade de criar um cigarro que não provocasse câncer: “Já que agora está bem definido que a fumaça de cigarro contém vários hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, e considerando o potencial e a atividade cancerígena de vários desses compostos, é necessário um método para remover total ou quase totalmente esses compoentes da fumaça”.”
Essas as inegáveis verdades que os fabricantes de cigarro de todo o mundo sempre souberam e tiveram consciência, e que sempre tentaram ocultar. Portanto, a indústria de cigarro sempre soube, no mínimo desde o início da década de 50, que seu produto causa dependência química e psíquica e que mata, entre outras doenças, por câncer e enfisema pulmonar.
Mais não precisa ser dito. Desde a década de 1950 as empresas tabagistas têm pleno conhecimento acerca de todos os malefícios decorrentes do uso do tabaco.
Outrossim, é incontroverso o fato de não terem alertado os consumidores de tais males, sendo que só o fizeram depois de décadas, por determinação legal. Evidentemente, se essas determinações não existissem, ainda veríamos, diuturnamente, as propagandas televisivas sobre os falaciosos bem sucedidos fumantes que, durante anos, foram retratados nas caras e persuasivas propagandas contratadas pela requerida e empresas congêneres, maculando o livre arbítrio dos consumidores. Ponto a ser apreciado no item subseqüente.
5) DA MÁCULA NA VOLUNTARIEDADE DO CONSUMIDOR NA OPÇÃO DE FUMAR
Sustenta a parte-demandada que o de cujus passou a fumar por sua livre e deliberada vontade, não podendo ser responsabilizada por danos decorrentes dessa conduta. Contudo, no caso, tal voluntariedade encontrava-se maculada, o que faz com que se pondere tal assertiva.
O termo vontade tem sua origem no latim (voluntas) e quer dizer a faculdade que tem o homem de querer, de se determinar espontaneamente a uma ação ou omissão, após reflexão.[2]
Todavia, para que tal liberdade seja externada de forma imaculada, mister estar o individuo inserto em um meio de cultura inerte. Ou seja, para externar vontade escorreita necessário que a pessoa seja conhecedora de todas as intermitências e desdobramentos oriundos e decorrentes de uma determinada situação. Porque ela somente se apresenta, vem ao mundo, extrapolando os limites da cognição interna e mental, após o processo da reflexão, através da qual são ponderadas todas essas vertentes.
Aprofundando essa análise, somente possui relevância para o mundo jurídico a vontade livre.
Quer isso significar, pois, que a vontade, além de consciente, deve estar livre dos vícios, ou defeitos, que a possam anular. E que o agente, isto é, a pessoa que a manifesta, deve ser capaz, ou possuir o discernimento, que o autorize a querer livremente, e não se encontrar sob influência que tenha força para modificar seu discernimento, ou seu arbítrio. A vontade dos capazes é considerada como livre e com valia legal, desde que isenta de constrangimento, coação ou enganos.[3]
No caso, evidentemente não se pode falar em vontade livre, porque maculada em sua nascente.
A demandada, ao comercializar seu produto, omitindo dos consumidores os malefícios gerados pelo seu consumo, assim como a existência de substâncias causadoras de dependência psíquica e química (nicotina, por exemplo), fez com que os usuários do produto fossem induzidos em erro na externação de sua vontade. Em assim sendo, não há falar em liberdade.
Nos dias de hoje, efetivamente, fuma quem quer, à medida que público e notório todos os problemas decorrentes do uso do tabaco. Todavia, consoante já destacado, tal consciência não existia há 20 anos atrás, quando o de cujus já era dependente da droga há muitos anos.
Até então a demandada assim como as demais empresas do ramo empregavam formas enganosas de sedução na publicização e popularização do seu produto, gastando milhões de dólares na elaboração de campanhas publicitárias e divulgação do cigarro em todo o mundo. Em tais expedientes, eram retratadas pessoas bem apessoadas, com êxito amoroso e profissional, tudo isso ligado ao consumo contínuo do tabaco. A impressão que se tinha ― ante a falta de consciência dos malefícios respectivos ― era de que, fumando, todos os bons grados da vida viriam como algo natural, sem que fosse exigida qualquer contraprestação que não o preço do produto. Ledo engano, contudo.
Pesquisas reiteradas apontam todos os malefícios provenientes do uso do tabaco. Doenças respiratórias, impotência sexual, enfisema pulmonar, câncer, todas essas enfermidades podem vir a decorrer do consumo de tabaco. Por essa razão cabia à requerida dar ciência inequívoca de tais possibilidades a seus potenciais consumidores, para que, então, colocados a par da real opção a ser eleita, externassem sua vontade.
É muito fácil concluir por que assim não o fizeram ...
Dessa forma, uma vez que o de cujus começou a fumar com 18 anos de idade, ou seja, em 1958, quando não eram veiculadas, por qualquer meio, informações a respeito dos malefícios do tabaco, sendo que, à época, a demandada já tinha ampla noção de tais informações, inviável falar-se em lisura no proceder da ré e em voluntariedade no consumo de cigarro pelo de cujus.
6) DA MÁCULA NA VOLUNTAS DO CONSUMIDOR APÓS O INÍCIO DO CONSUMO
De igual sorte, não se sustenta a alegação da demandada de que pára de fumar quem quer. Isso porque, ardilosamente, o produto oferecido pela requerida tem, em sua composição, substâncias que influenciam a constituição psíquica do individuo, prejudicando sua eventual intenção de largar o vício. Dentro dessas substâncias encontra-se, por exemplo, a nicotina.
Do mencionado site do INCA, retira-se o seguinte:
4) O que causa a dependência do cigarro?
A nicotina, que é encontrada em todos os derivados do tabaco (charuto, cachimbo, cigarro de palha, etc), é a droga que causa dependência. Esta substância é psicoativa, isto é, produz a sensação de prazer, o que pode induzir ao abuso e à dependência. Por ter características complexas, a dependência à nicotina é incluída na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde - CID 10ª revisão. Ao ser ingerida, produz alterações no Sistema Nervoso Central, modificando assim o estado emocional e comportamental dos indivíduos, da mesma forma como ocorre com a cocaína, heroína e álcool.
Depois que a nicotina atinge o cérebro, entre 7 a 9 segundos, libera várias substâncias (neurotransmissores) que são responsáveis por estimular a sensação de prazer (núcleo accubens), explicando-se, assim, as boas sensações que o fumante tem ao fumar. Com a ingestão contínua da nicotina, o cérebro se adapta e passa a precisar de doses cada vez maiores para manter o mesmo nível de satisfação que tinha no início. Esse efeito é chamado de tolerância à droga. Com o passar do tempo, o fumante passa a ter necessidade de consumir cada vez mais cigarros. De tal forma que, a quantidade média de cigarros fumados na adolescência, nove por dia, na idade adulta passa a ser de 20 cigarros por dia. Com a dependência, cresce também o risco de se contrair doenças debilitantes, que podem levar à invalidez e à morte.
Ou seja, primeiro a nicotina trata-se de droga, inclusive estando sua dependência catalogada na CID-10 (Código Internacional de Doenças); segundo, causa dependência aos seus usuários, tal qual ocorre nos viciados em heroína e cocaína, embora os reflexos sejam distintos. Mais: com o passar do tempo, o cérebro se acostuma com a sensação de prazer transmitido pelo consumo das mais de 4.700 substâncias que compõe o cigarro, “obrigando” que o consumidor aumente o uso da droga.
Lúcio Delfino, que realizou estudo específico sobre o tema à luz do direito do consumidor, aponta, com base em dados técnicos, os efeitos e reflexos do uso da nicotina, asseverando que ela
... é responsável, basicamente, pela dependência e vasoconstrição. Atua não só no cérebro, mas também em outros sistemas do corpo, como o muscular, ósseo, cardíaco e vascular. (...)
Trata-se de uma substância psicotrópica, responsável pela dependência do fumante, estando o tabagismo classificado no Código Internacional de Doenças no grupo de transtornos mentais e de comportamentos decorrentes do uso de substâncias psicoativas. (...).
Seu mecanismo farmacológico é semelhante ao da cocaína e heroína, e a dependência que provoca costuma ser mais intensa que a destas últimas.[4]
Em suma: cigarro causa dependência psíquica, o que leva a concluir que improcede a afirmação da requerida. Isso porque pára de fumar não quem quer, mas sim quem consegue.
Evidentemente que há muitos casos de pessoas que param de fumar sem o auxílio de qualquer remédio ou auxílio exterior. Contudo, a sublinhar que o tabaco age psiquicamente no indivíduo, razão pela qual o vício variará conforme a própria constituição genética do consumidor. Ora, as substâncias constantes no cigarro e nos produtos congêneres reagem ativamente com os elementos genéticos do corpo, reagindo, diferentemente, em cada ser. Assim como há casos de pessoas que param de fumar, também há casos de pessoas que largam o vício de drogas ilícitas, sem qualquer auxílio. A literatura médica dá baluarte suficiente a essa assertiva. Todavia, isso não desnatura o fato de o tabaco ser droga, bem como o fato de causar dependência e de deixar prejudicada a voluntas de seus usuários.
A propósito, estudos da OMS (Organização Mundial da Saúde) estimam que apenas entre 0,5% a 5% dos fumantes que tentam deixar o vício, sem ajuda ou suporte, conseguem atingir uma abstinência duradoura.[5]
Dessa forma, uma vez que é incontroverso o fato de o de cujus ser dependente de cigarros produzidos e distribuídos pela demandada, evidente que havia mácula em sua liberdade. Outrossim, sua vinculação ao vício lhe acarretou a própria morte.
7) DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR
Inviável não reconhecer a incidência do CPDC de forma conjugada ao Código Civil de 1916 no caso em comento. Sublinhe-se que, desde de 1988, com o advento da Constituição Cidadã, a proteção do consumidor foi galgada a direito fundamental (art. 5º, inciso XXXII), devendo, corolário, ser observado por todos.
Mais: consoante apregoa o art. 1º do CPDC, o microssistema estabelece normas de ordem pública e interesse social e, por essa razão, não há como não reconhecer a elas aplicação imediata e plena, inclusive com relação às relações já entretidas que ainda não findaram e continuam produzindo efeitos.
A propósito, colaciono doutrina nesse sentido.
O momento pré-contratual terá de continuar a ser regido pela lei vigente à época; mas, no comento contratual, toda a vez que o efeito do cumprimento do contrato já firmado ofender o espírito da nova lei, ofender os direitos agora assegurados ao consumidor, quebrar o agora obrigatório equilíbrio contratual, este efeito será contrário a esta nova noção basilar do nosso sistema jurídico, à norma de ordem pública, e o juiz poderá aplicar as normas do CDC para afastar este efeito agora proibido.[6]
O certo é que, de uma forma ou de outra, o que é irrefutável é que as disposições de ordem eminentemente processual insertas no diploma consumerista (e em especial o disposto no art. 6º, VIII) aplicam-se na espécie, pouco importando quando a relação se estabeleceu.
De um modo geral, a lei possui aplicação imediata e geral, não havendo razão para que não sejam observadas as regras processuais contidas no CPDC, quanto mais a demanda foi ingressada quando já promulgado o microssistema.
Dessa forma, admitida a incidência do CPDC, a inversão do ônus da prova será devidamente sopesada no item 8 do presente acórdão. Antes disso, faz-se necessário a investigação acerca da culpa da demandada.
8) DA RESPONSABILIDADE DA REQUERIDA EM FACE DA RUPTURA DA BOA-FÉ OBJETIVA E DA AUSÊNCIA DO DEVER DE INFORMAÇÃO ADEQUADO
Inicialmente, desimporta exerça ou não a demandada atividade legalmente admitida. Com efeito, o fato de uma atividade empresarial não ser proibida, não isenta a empresa de eventuais responsabilidades decorrentes da nocividade, defeito, máculas ou problemas oriundos dos produtos por si produzidos e comercializados.
Ou seja, não é o fato de a atividade ser lícita que elidirá o agente de arcar com eventuais prejuízos decorrentes de seu agir (ou não agir).
Como exemplo, podemos citar uma empresa de agrotóxicos, que passe a comercializar inseticidas que acarretem contaminação nos alimentos nos quais são aplicados, gerando malefícios aos seus consumidores.
Na hipótese ventilada, a atividade é lícita, porém, mesmo assim, o produto colocado à disposição do público possui mácula, que acarreta prejuízos a terceiros. Será que responderia a empresa pelos danos? Evidente que sim.
Já no caso do tabaco, o defeito não está nessa ou naquela partida de cigarros ou charutos. Está em si mesmo, na composição química de seus elementos ― tal como são comercializados ― que causam dependência, envenenam e matam!
O cigarro possui efeitos nocivos comprovados cientificamente, consoante já restou explicitado. Contudo, mesmo ciente desta nocividade, em 1988, ao invés de proibir a comercialização do tabaco, o governo teve por manter, implicitamente, a autorização da comercialização do cigarro no país.
Cumpre observar as altas alíquotas de impostos incidentes sobre os cigarros, a inferir como que uma dependência dos combalidos cofres públicos à sua fabricação e comercialização em larguíssima escala. Destaca-se que, em 2004, o valor recebido pelo Governo Federal com a comercialização dos cigarros a títulos de impostos chegou a expressiva cifra de R$ 6,2 bilhões de reais[7]. No ano de 2005, a arrecadação aumentou para 6,7 bilhões de reais[8], o que aponta as inúmeras razões que levam o Governo a se esquivar em enfrentar essa epidemia de forma satisfatória.
Assim, tem-se que a atividade empresária desenvolvida pela demanda possui adornos legais. Contudo, isso não enseja a conclusão de que ela foi ou é exercida com a observância do princípio da boa-fé objetiva. Até porque, as fantasias de prazer e ventura apregoadas em suas sedutoras propagandas contrastam, umbilicalmente, da realidade maléfica que, indubitavelmente, advém da cultura e do consumo de fumo, seja em nível pessoal ou social.
Como já salientado, as empresas tabagistas, desde a década de 1950, têm pleno conhecimento a respeito dos malefícios do uso do cigarro.
Contudo, hoje, ainda, a demandada continua a se omitir de prestar esclarecimentos precisos e adequados no desiderato de informar satisfatoriamente os consumidores e os cidadãos acerca dos malefícios pessoais e sociais decorrentes do uso do produto. Porque só com o completo conhecimento da realidade em que se envolve o produto ofertado no mercado gera-se a efetiva “liberdade” do consumidor em passar a utilizá-lo ou não. É evidente a constatação de que assim ainda hoje não vem ocorrendo, mesmo estando vigente há mais de dez anos o CPDC.
Sublinhe-se que as tímidas e insuficientes informações que hoje são conhecidas pelo público em geral são oriundas de leis impostas pelo ordenamento pátrio e não de espontaneidade proveniente da requerida e das empresas afins, no intuito de exercitarem a necessária boa-fé objetiva.
Em assim sendo, a culpa da demandada surge de sua omissão na cientificação das pessoas a respeito dos malefícios nascedouros do uso da droga por si posta no mercado e das conseqüências pessoais e sociais de sua disseminação pública.
De outra banda, é inequívoco que, disponibilizando tal produto aos consumidores, assumiu a ré a responsabilidade por todos os danos decorrentes de seu uso, pois passou a figurar como garantidora da incolumidade de tais clientes.
E essa omissão, sem qualquer sombra de dúvida, pode vir a ser germe de dano moral. A doutrina sempre valiosa do doutrinador Sérgio Cavalieri Filho vem bem a calhar nesse ponto, à medida que reconhece a relevância da omissão nas hipóteses em que a parte tinha dever de evitar o resultado, in verbis:
A omissão, todavia, como pura atitude negativa, a rigor não pode gerar, física ou materialmente, o dano sofrido pelo lesado, porquanto do nada nada provém. Mas tem-se entendido que a omissão adquire relevância jurídica, e torna o omitente responsável, quando este tem dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado, dever, esse, que pode advir da lei, do negócio jurídico ou de uma conduta anterior do próprio omitente, criando o risco da ocorrência do resultado, devendo, por isso, agir para impedi-lo.
Em casos tais, não impedir o resultado significa permitir que a causa opere. O omitente coopera na realização do evento com uma condição negativa, ou deixando de movimentar-se, ou não impedindo que o resultado se concretiza (Paulo José da Costa Jr. Curso de Direito Penal, v. 1/66, Saraiva, 1991). (...).
Em suma, só pode ser responsabilizado por omissão quem tiver o dever jurídico de agir, vale dizer, estiver numa situação jurídica que o obrigue a impedir a ocorrência do resultado.[9]
A ré foi omissa e negligente quando passou a comercializar o tabaco sem prestar as informações pertinentes a respeito de seus malefícios, quando tinha ciência inequívoca de tais dados. José de Aguiar Dias assevera que negligência ... é a omissão daquilo que razoavelmente se faz, ajustadas as condições emergentes às considerações que regem a conduta normal dos negócios humanos. É a inobservância das normas que nos ordenam operar com atenção, capacidade, solicitude e discernimento (grifei).[10]
Fiz questão de grifar a palavra solicitude por entender que foi isso, em suma, o que faltou à requerida. Ela olvidou-se em ser solícita a seus consumidores ao omitir informações deveras relevantes a respeito do tabaco, fazendo com que ficasse prejudicado o juízo de valor externado por aqueles que optaram por fazer uso da droga. Faltou solicitude à medida que os prejuízos decorrentes do consumo desenfreado de tabaco causam tantas enfermidades que diminuem, sensivelmente, a vida do indivíduo. Mais: podem acarretar até mesmo sua morte. Em face disso, cabia à requerida, fosse pelo princípio da boa-fé objetiva, fosse por singela solicitude antecipar aos seus clientes plenas informações sobre os efeitos do consumo do tabaco.
Contudo, como é de todos nós conhecida, tal conduta apenas veio a ser adotada, ainda que timidamente, após imposição legal. Até então, a imagem da pessoa vitoriosa e bem sucedida prevalecia no imaginário do homem médio.
Dessa forma, tendo a demandada criado uma situação tal em que impôs riscos à saúde dos usuários de seu produto, riscos esses não assumidos pelos consumidores, à medida que por eles desconhecidos quando do início do uso, considerando-se, outrossim, a mácula da liberdade dos usuários em deixar o vício, uma vez que o cigarro causa dependência psíquica ― influenciando diretamente no livre arbítrio do indivíduo ―, a ré é civilmente responsável por eventuais danos ocasionados ao de cujus e, corolário, aos seus familiares pela sua morte (art. 159 do CC/1916).
A propósito, colaciono julgados desta Egrégia Corte
RESPONSABILIDADE CIVIL. EMPRESA FUMAGEIRA. CÂNCER DE PULMÃO. MULTIFATORIEDADE. CONDIÇÕES PRÓPRIAS DO PACIENTE. MANIPULAÇÃO FRAUDULENTA DO PRODUTO. FATO NOTÓRIO. AGRAVAMENTO DAS CHANCES DE UM DANO. TEORIA DA ACEITAÇÃO DO RISCO. AFASTAMENTO. VIDA E SAÚDE. BENS JURÍDICOS INDISPONÍVEIS. CONSENTIMENTO INEFICAZ. INDENIZAÇÃO. ARBITRAMENTO. CRITÉRIOS. VALOR. REPARAÇÃO DA PERDA PATRIMONIAL. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1.537 DO CCB. DANOS INDENIZÁVEIS. RESTITUIÇÃO AO ESTADO ANTERIOR. ALCANCE. DANO MORAL. PENSIONAMENTO. BASE DE CÁLCULO. TERMO FINAL. FILHOS E CÔNJUGE. REVERSÃO. QUANTIFICAÇÃO. Se até o seu atual estágio as investigações médicas não lograram restringir a um único fator o risco de surgimento do câncer de pulmão, não assiste ao profano em medicina controverter ou ignorar a multifatoriedade da doença, Enquanto o exercício de prerrogativas conferidas, explicitamente, a uma pessoa, reveste-se de presunção de licitude, o exercício do amplo e vago poder de agir, decorrente de ausência de proibição legal, não confere senão uma frágil presunção de licitude do ato (omissivo ou comissivo) praticado. Caracteriza ilícito o mau uso da liberdade de exploração da atividade tabagista, mediante manipulação fraudulenta das sementes de tabaco e da química utilizada na industrialização do cigarro, inspiradas pelo intuito exclusivo de lucro. O fato apropriado pelo domínio público, através do meio de comunicação mais ágil e abrangente disponível na atualidade, subsume-se na previsão do artigo 334, I, do CPC, que dispensa atividade probatória. No controle da licitude da liberdade de exercer o comércio, assim como da liberdade de ir e vir, não é a natureza do direito que conta, mas o cumprimento dos deveres gerais de prudência no exercício da liberdade. Não se confundem a reprovação do abuso no exercício do direito e a reprovação do ilícito praticado por ocasião ou à margem do exercício do direito: os atos da segunda categoria se situam fora dos limites "externos" do direito eles correspondem a nada mais do que o mau uso de uma liberdade. Doutrina de JACQUES GHESTIN. A teoria da aceitação do risco só se aplica aos perigos habituais ordinários e normalmente previsíveis, ligados a uma atividade. O consentimento do ofendido só opera como excludente de ilicitude sobre bens jurídicos disponíveis. Quando se cuida de direitos à vida e à saúde, flagrantemente indisponíveis, a ordem pública se impõe, tornando ineficaz tal consentimento. Doutrina de APARECIDA AMARANTE. Se a conduta do ofensor agrava as chances de um dano efetivamente produzido, assiste à vítima indenização proporcional a este risco. (...). (Apelação Cível Nº 70004812558, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mara Larsen Chechi, Julgado em 13/10/2004).
DANO MORAL. CIGARROS. CAUSAS MORTAIS QUE PODEM ORIGINAR: ENFISEMA PULMONAR, ARRITMIA CARDÍACA E CÂNCER PULMONAR, ENTRE OUTRAS. NEXO CAUSAL COMPROVADO, FACE AO CONSUMO DO CIGARRO E O EVENTO MORTE. PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA QUE SE APLICA AO CCv/16, INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (arts. 6º, incisos I, III, IV, VI e VIII, e 12, par. 1º) E ART. 159 DO CCv/16, NA MODALIDADE OMISSÃO NA AÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 335 DO CPC: "REGRAS DE EXPERIÊNCIA COMUM". INDENIZAÇÃO DEVIDA. (PRECEDENTE: Apelação Cível n. 70000144626, Redator para o acórdão Des. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, j. em 29.10.03, 9ª. Câmara Cível). APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70007090798, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Augusto Coelho Braga, Julgado em 19/11/2003).
9) DO NEXO CAUSAL
Como se sabe, o câncer trata-se de doença multifatorial. Ou seja, vários elementos podem causar ou contribuir diretamente para a ocorrência de uma seqüência de eventos que levem ao surgimento do câncer. Dentre esses fatores inclui-se o tabaco, atualmente o agente carcinogênico mais importante para a população, sendo ele causa direta de 30% das mortes por câncer em geral, 90% das mortes por câncer de pulmão, 25% das mortes por doença coronariana, 85% das mortes por doença pulmonar obstrutiva crônica e 25% das mortes por doença cerebrovascular.[11]
Dessa forma, ante a notoriedade de tais dados, somado à inversão do ônus da prova ― insculpida no art. 6º, VIII, do CPDC ―, cabia à demandada desabonar a alegação da parte-demandante.
Ou seja, a ré deveria colimar ao caderno processual provas, especialmente técnica, que apontassem que o câncer que afligiu o falecido teve origem em fator genético ou outra intermitência da vida, até porque detém todas as condições técnicas e orçamentárias para tanto.
Não atuando nesse desiderato, limitando-se a acostar ao caderno processual um emaranhado de documentos que não substituem essa prova, de forma alguma, não há como desfazer o liame causal existente entre o uso do tabaco e o câncer que levou o Sr. Vitorino Mattiazzi ao óbito.
10) DO DANO MORAL
Estando preenchidos os requisitos da conduta ilícita, assim como do nexo causal, mister investigar a análise do dano que, evidentemente, não enseja maior dificuldade.
Isso porque é inconteste a dor na esfera íntima dos familiares ― aqui esposa, filhos e netos ― que não vão mais poder desfrutar do convício do seu ente querido, em virtude da doença contraída pelo uso continuado de produto comercializado pela demandada.
A retirada prematura da figura paterna (incluída a figura do marido) do seio familiar gera, sem sombra de dúvida, abalo passível de reparação pecuniária.
A sublinhar que, no caso, além da perda do patriarca da família, há que se considerar a constante angústia e pungente dor dos familiares, ora autores, com a prolongada e progressiva enfermidade do marido, pai e avô, permeados por anos de intenso sofrimento.
No que concerne à quantificação do dano moral, não obstante a dificuldade de fazê-lo, ante a ausência de critério legal, mister fixar alguns pontos.
Adianto que não se trata de tarifar de forma pecuniária o sentimento íntimo da pessoa. Tal seria impensável e até mesmo amoral. Todavia, a prestação pecuniária se presta a amenizar a dor experimentada em decorrência do ato praticado e reprovável. Embora a vantagem pecuniária a ser aferida não fará com que se retorne ao status quo ante — situação essa ideal, porém impossível — proporcionará uma compensação, parcial e indireta, pelos males sofridos.
Por esse enfoque, deve-se ter em mente que a indenização deve ser em valor tal que garanta à parte credora uma reparação (se possível) pela lesão experimentada, bem como implique, àquele que efetuou a conduta reprovável, impacto suficiente para dissuadi-lo na repetição de procedimento símile.
Nesta linha, entendo que a condição econômica das partes, a repercussão do fato, assim como a conduta do agente devem ser perquiridos para a justa dosimetria do valor indenizatório, no intuito de evitar o enriquecimento injustificado da parte-autora e aplicação de pena exarcebada à demandada. Noutro sentido não me parecem as ponderações exaradas por Sérgio Cavalieri Filho, ao tratar do arbitramento do dano moral:
Creio que na fixação do quantum debeaturóa indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano.
Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade económica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes.[12]
Outrossim, veja-se, a propósito, aresto da lavra do eminente Des. Osvaldo Stefanello, com a seguinte ementa:
DANO MORAL. SUA MENSURAÇÃO. NA FIXAÇÃO DO QUANTUM REFERENTE À INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, NÃO SE ENCONTRANDO NO SISTEMA NORMATIVO BRASILEIRO MÉTODO PRATICO E OBJETIVO, O JUIZ HÁ QUE CONSIDERAR AS CONDIÇÕES PESSOAIS DE O OFENSOR E OFENDIDO; GRAU DE CULTURA DO OFENDIDO; SEU RAMO DE ATIVIDADE; PERSPECTIVAS DE AVANÇO E DESENVOLVIMENTO NA ATIVIDADE QUE EXERCIA, OU EM OUTRO QUE PUDESSE VIR A EXERCER; GRAU DE SUPORTABILIDADE DO ENCARGO PELO OFENSOR, E OUTROS REQUISITOS QUE, CASO A CASO, POSSAM SER LEVADOS EM CONSIDERAÇÃO. REQUISITOS QUE HÁ DE VALORAR COM CRITÉRIO E JUSTIÇA, COM PREDOMÍNIO DO BOM SENSO, DA RAZOABILIDADE EDA EXEQUIDADE DO ENCARGO A SER SUPORTADO PELO DEVEDOR. "QUANTUM" QUE NEM SEMPRE DEVERA SER INFERIOR AO DO DANO PATRIMONIAL. EIS QUE A AUTO-ESTIMA, A VALORAÇÃO PESSOAL, O EGO, SÃO VALORES HUMANOS CERTAMENTE MAIS VALIOSOS QUE OS BENS MERAMENTE MATERIAIS OU ECONÓMICOS. INCONFORMIDADE COM A SENTENÇA QUE FIXOU O MONTANTE DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. IMPROVIMENTO DO APELO DA DEVEDORA. (Apelação Cível NQ. 592066575, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Osvaldo Stefanello, Julgado em 23/11/1993).
Em virtude dessas ponderações, passo a fixar as indenizações:
a) a viúva, Sra. Sônia, e os filhos do casal, Sra. Maria e Srs. Ernesto, Rafael, Ricardo e Márcio, fazem jus a receber, cada um, a quantia de R$ 70.000,00 pela morte do marido-pai, valor esse devidamente corrigido pelo IGP-M desde a data desta sessão de julgamento, e acrescido de juros legais a contar do óbito do de cujus (consoante teor da Súmula n. 54 do STJ), na ordem de 6% ao ano, até a entrada em vigor do vigente Código Civil (11-01-2003), passando a incidir o percentual de 1% ao mês;
b) por fim, os netos, Vitória Alessandra e Vitor Antônio, que restaram privados do convívio do avô, devem receber, cada um, R$ 35.000,00, sendo a correção nos mesmos moldes estabelecidos no item supra.
11) DISPOSITIVO
Dessarte, em virtude do exposto, voto pelo provimento do apelo.
Em face do desfecho, redefino os encargos sucumbenciais, devendo a demandada arcar com a integralidade das custas do feito, assim como com os honorários da parte adversa que, considerando o trabalho desenvolvido, complexidade da matéria, bem como a relativa celeridade na tramitação do feito e o montante da indenização, arbitro em 15% sobre o valor da condenação, em observância ao disposto no art. 20, § 3º, do CPC.
Des. Pedro Luiz Rodrigues Bossle (PRESIDENTE E REVISOR)
Divirjo do eminente Relator.
Embora os substanciosos argumentos jurídicos expostos, tenho que não assiste razão aos apelantes.
No meu modo de ver, ainda que possam ser superados alguns pontos da tese defensiva da ré, o livre arbítrio inerente ao hábito de fumar acaba por direcionar o julgamento.
Há muito tempo a sociedade conhece os malefícios do cigarro e obviamente que a propaganda associa o hábito de fumar com atividades prazerosas, o que não poderia ser diferente.
Contudo o prazer do fumo vem mal acompanhado pelo risco do vício e por danos à saúde.
Diante desse quadro e consabido que basta força de vontade para parar de fumar, não vislumbro espaço para a responsabilização da ré pela indenização pretendida, impondo-se a manutenção da sentença.
Assim, nego provimento ao apelo.
Des. Umberto Guaspari Sudbrack - De acordo.
DES. PEDRO LUIZ RODRIGUES BOSSLE - Presidente - Apelação Cível nº 70017634486, Comarca de Cerro Largo: "POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO AO APELO, VENCIDO O DESEMBARGADOR PEDRO LUIZ RODRIGUES BOSSLE."
Julgador(a) de 1º Grau: GUILHERME EUGENIO MAFASSIOLI CORREA

[1] Dados retirados do site http://www.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=dadosnum&link=mundo.htm.
[2] NUNES, Pedro. Dicionário de Tecnologia Jurídica. 13ª ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1999. Pág. 1085.
[3] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Vol. III. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1984. Pág. 507.
[4] Responsabilidade Civil e Tabagismo no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002. Págs. 09-10.
[5] Dados retirados do site: http://www.euro.who.int/Document/E80056.pdf.
[6] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. pág. 562.
[7] Extraído do site: http://www.radiobras.gov.br/materia_i_2004.php?materia=200089&q=1&editoria=
[8] Informação obtida junto ao Sindicato da Indústria do Fumo (SINDIFUMO).
[9] Programa de Responsabilidade Civil. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. Págs. 48-49.
[10] Da Responsabilidade Civil. Vol. I. 10ª. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1995. Pág. 120.
[11] http://www.inca.gov.br/tabagismo/frameset.asp?item=faq
[12] Programa de Responsabilidade Civil. 29 ed. 4§ Tiragem, rev., aum. e atual. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2001. Págs. 81-82.

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