14 de jun. de 2009

Ponderando valores constitucionalmente assegurados

Cuida a matéria em definir a responsabilidade da imprensa televisiva por veicular reportagem na qual o recorrido é apontado como suspeito de participar de organização criminosa. Inicialmente, destacou a Min. Relatora que a lide deve ser analisada tão somente à luz da legislação civil e constitucional pertinente, tornando-se irrelevantes as citações aos arts. 29, 32, § 1º, 51 e 52 da Lei n. 5.250/1967 (a Lei de Imprensa), uma vez que essa não foi recepcionada pela CF/1988. Em uma primeira oportunidade, a recorrente exibiu reportagem na qual procurava denunciar a existência de organização criminosa, com atuação em dois estados. Ocorre que, com a morte de um advogado, nova reportagem foi exibida durante programa dominical. O nome do recorrido é mencionado em duas oportunidades. Na primeira, o narrador da reportagem afirma que o recorrido teve seu nome citado na notícia-crime como parte da máfia das prefeituras. Na segunda, a fonte revela que teria sido ameaçada pelo recorrido. O TJ viu, nessa situação de fato, abuso do direito de informar com ânimo de difamar e caluniar, destacando que a simples pecha de suspeito já se faz conduta suficiente a ensejar danos à honra objetiva (social) e subjetiva (íntima) do autor, merecendo, assim, repreensão judicial. Para a Min. Relatora, é nesse contexto que surge a violação dos arts. 186 e 927 do CC/2002, sendo certo que, no recurso especial, a recorrente afirma não estarem presentes os requisitos para que lhe imputem responsabilidade civil. Não haveria culpa e tampouco nexo causal. Há, na questão, um conflito de direitos constitucionalmente assegurados. A Constituição Federal assegura a todos a liberdade de pensamento (art. 5º, IV), bem como a livre manifestação desse pensamento (art. 5º, IX) e o acesso à informação (art. 5º, XIV). Esses direitos salvaguardam a atividade da recorrente. No entanto, são invocados pelo recorrido os direitos à reputação, à honra e à imagem, assim como o direito à indenização pelos danos morais e materiais que lhe sejam causados (art. 5º, X). Para a solução do conflito, cabe ao legislador e ao aplicador da lei buscar o ponto de equilíbrio no qual os dois princípios mencionados possam conviver, exercendo verdadeira função harmonizadora. A questão merece ser vista com cautela, para que se esclareçam os limites da liberdade de expressão. É essencial o manejo correto das regras de responsabilidade civil, pois só elas podem indicar onde há abuso de liberdade e lesão injustamente causada a outrem. Na hipótese, constata-se que a reportagem da recorrente, para sustentar essa sua afirmação, trouxe ao ar elementos importantes, como o depoimento de fontes fidedignas, a saber: a prova testemunhal de quem foi à autoridade policial formalizar notícia-crime e a opinião de um procurador da República. Ademais, os autos revelam que o próprio repórter fez-se passar por agente interessado nos benefícios da atividade ilícita, obtendo gravações que efetivamente demonstravam a existência de engenho fraudatório. Não se tratava, portanto, de um mexerico, fofoca ou boato que, negligentemente, divulgava-se em cadeia nacional. Acresça-se a isso que o próprio recorrido revela que uma de suas empresas foi objeto de busca e apreensão. Ao público, foram dadas as duas versões do fato: a do acusador e a do suspeito. Os elementos que cercaram a reportagem também mostravam que havia fatos a serem investigados. O processo de divulgação de informações satisfaz o verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial. Desse modo, vê-se claramente que a recorrente atuou com a diligência devida, não extrapolando os limites impostos à liberdade de informação. A suspeita que recaía sobre o recorrido, por mais dolorosa que lhe seja, de fato, existia e era, à época, fidedigna. Se hoje já não pesam sobre o recorrido essas suspeitas, isso não faz com que o passado altere-se. Pensar de modo contrário seria impor indenização a todo veículo de imprensa que divulgue investigação ou ação penal que, ao final, mostre-se improcedente. Por esses motivos, deve-se concluir que a conduta da recorrente foi lícita, havendo violação dos arts. 186 e 927 do CC/2002. Aderindo a esse entendimento, a Turma deu provimento ao recurso para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial. REsp 984.803-ES, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/5/2009.

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