20 de jun. de 2009

Sobre posse, propriedade e documentos paroquiais

O recorrente, em virtude de lhe ter sido negado administrativamente o reconhecimento do domínio pleno sobre ilha costeira da qual mantinha posse desde 16/4/1953, ajuizou ação declaratória, defendendo a regularidade da cadeia sucessória do imóvel. Sustenta, em síntese, que o proprietário originário da ilha levou as terras ao registro do vigário que, diferentemente do que pretende a ré (União), não é simples cadastro, mas comprova a titularidade do domínio. A ação foi julgada improcedente sob o argumento de que, entre outros, a legitimação da posse dependeria de prévia e oportuna medição das terras (art. 7º da Lei n. 601/1850, Lei de Terras). E, na verdade, o autor, ora recorrente, não comprovou que o proprietário que reputa original promoveu a medição do imóvel por ele ocupado, nem que obteve, depois disso, título de domínio passado por repartição provincial (art. 11 da referida lei). Quanto ao registro imobiliário que alega ter o recorrente, por não inserido em cadeia dominial que remonte até à Lei de Terras ou mesmo antes dela (visto que essa lei reconheceu os títulos legitimamente até então expedidos), carece de eficácia jurídica para sobrepor-se à atribuição constitucional das ilhas costeiras à União, nos termos do art. 20, IV, da CF/1988. A sentença foi confirmada em apelação, daí sobreveio o REsp, no qual se alega, entre outras coisas, violação do art. 5º, XXXVI, da CF/1988 e ainda de vários dispositivos legais, tais como: art. 7º da Lei n. 601/1850, arts. 103 e 107 do Dec. n. 1.318/1854 e arts. 1º e 5º do Dec. n. 9.760/1946. Diante disso, a Turma não conheceu do recurso pelo fundamento de que, entre outros, a origem da propriedade particular no Brasil ora advém das doações de sesmarias, ora é proveniente de ocupações primárias. Ambas, para se transformarem em domínio pleno, deveriam passar pelo crivo da revalidação ou, quanto às posses de fato, da legitimação, procedimentos previstos, respectivamente, nos arts. 4° e 5º da Lei de Terras. A legitimação da posse, para caracterização do domínio pleno, cujo procedimento foi regulamentado pelo Dec. n. 1.318/1854, requer como condições, além da medição prevista no art. 7º da referida Lei de Terras, o cultivo ou princípio de cultivo da terra, a moradia habitual do respectivo posseiro, bem como as demais condições explicitadas no art. 5º do mesmo diploma legal. Assim, a controvérsia não se limita simplesmente em saber se a medição das terras poderia ser dispensada na hipótese. Em realidade, para que a posse mansa e pacífica fosse legitimada, nos termos do citado art. 5º da Lei de Terras, também era necessário o preenchimento das demais condições a que faz referência essa lei e cuja comprovação não pode ser realizada nessa instância especial, por vedação contida na Súm. n. 7-STJ. Ademais, mostra-se desarrazoada a interpretação que relativiza, 159 anos depois, literal disposição da Lei de Terras, a qual visava, expressamente, estabilizar as relações fundiárias existentes no Brasil, concedendo ao Estado a perseguida certeza jurídica em relação a terras quer pertencentes a ele quer a particulares. Ressalte-se, ainda, que não há direito de propriedade decorrente do registro paroquial. Com efeito, nos termos do art. 94 do Dec. n. 1.318/1854, as declarações dos possuidores ou sesmeiros feitas ao pároco não lhes conferiam nenhum direito. Por outro lado, sendo vedado ao possuidor ou sesmeiro hipotecar ou alienar o terreno antes de tirar título passado na respectiva representação provincial, infere-se que o direito de propriedade das glebas somente se aperfeiçoava com o registro do dito título, sendo irrelevante o cadastro realizado perante o vigário paroquial. REsp 389.372-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/6/2009.

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