9 de abr. de 2008

Venire contra factum proprium

Relata o Espaço Vital que dezoito anos depois de alegado erro médico, paciente perde ação no STJ. A 3ª Turma do STJ acatou recurso do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e julgou improcedente o pedido de reparação por danos morais formulado por um paciente que teve parte de agulha cirúrgica deixada dentro do seu corpo durante cirurgia de abdômen. O paciente foi informado da situação, mas optou por não extrair o fragmento deixado em seu organismo. A ação judicial tramita desde 20 de abril de 1994, data de sua distribuição à 3ª Vara Federal de Porto Alegre. Só no TRF da 4ª Região - para o julgamento de uma apelação e de embargos infringentes - foram consumidos espantosos sete anos e dez meses (de 4 de janeiro de 1999 a 6 de novembro de 2006). No STJ a demora foi pequena (pouco mais de um ano).
Alguns anos depois da cirurgia, realizada em 1990, o paciente passou a sentir desconforto físico e pediu indenização, alegando que os médicos esqueceram a agulha em seu corpo. O HCPA se defendeu, sustentando que "não houve esquecimento e sim a decisão intencional de encerrar a cirurgia com rapidez para evitar o agravamento da situação e depois extrair o fragmento de metal sem risco de morte para o paciente". Também argumentou que "a agulha quebrou quando o corte já estava sendo fechado e seria temeroso manter o paciente anestesiado e com o corte da cirurgia aberto para procurar uma agulha que não poria em risco relevante sua integridade e que poderia ser facilmente extraída posteriormente em simples procedimento ambulatorial".
Segundo o hospital, o paciente foi informado da situação assim que deixou a unidade de terapia intensiva, alguns dias depois da cirurgia, mas que ele optou por não realizar o procedimento naquele momento. A questão chegou no STJ em um recurso apresentado pelo hospital, tentando reverter a condenação imposta pelo TRF da 4ª Região de indenizar o paciente. O recurso especial foi admitido na presidência do TRF-4, com a ressaltava de que "conquanto em relação à prova da existência do nexo de causalidade haja o óbice de admissibilidade na Súmula nº 07 do STJ - na medida em que seu exame enseja necessária análise fático-probatória dos autos, o que é inviável por meio do especial - tenho que o recurso merece seguimento quanto aos valores fixados a título de dano moral". Por maioria, acompanhando o voto do relator, ministro Humberto Gomes Barros, a Turma reconheceu que "o médico que esquece parte do material cirúrgico no organismo do paciente comete ato ilícito passível de indenização", mas entendeu desaparecer a ilicitude quando - antevendo o risco de morte do paciente em caso de prolongamento de cirurgia urgente - o médico encerra o procedimento mesmo sabendo que fragmento de agulha se perdeu acidentalmente no organismo do enfermo. “No caso em questão, não houve esquecimento e sim a opção médica pelo encerramento da cirurgia antes de localizar a agulha cirúrgica que se perdeu”, ressaltou o relator, acrescentando não ter havido ilicitude no procedimento médico de encerrar a cirurgia para preservar as chances de vida do paciente. No julgado, o STJ nitidamente ingressou no exame de matéria de fato.
Segundo o ministro, mesmo optando por não realizar a extração naquela ocasião, o paciente poderia ter realizado o procedimento em qualquer outro momento, desde que soube do fato, mas ainda assim não o fez. Para ele, tal atitude revela que não houve sofrimento a justificar indenização: “primeiro, porque foi do recorrido a opção de não extrair o fragmento deixado em seu organismo. Depois, porque não é crível que, diante do tamanho sofrimento narrado na inicial, o recorrido viesse a juízo postular danos morais, sem pedir, também, a reparação do suposto erro médico, ou seja, a retirada do fragmento”, destacou em seu voto. Assim, a Turma entendeu que não sofre danos morais o paciente que, tão logo se recupera da cirurgia de urgência, é informado de que parte de material cirúrgico foi deixado em seu organismo e conscientemente decide não realizar simples intervenção para extrair o fragmento. O ministro Humberto Gomes de Barros concluiu seu voto ressaltando que os danos morais não precisam de prova porque são presumidos, mas a presunção não é absoluta e cede quando a prova convence o juiz de que é improcedente o pedido de reparação. (Resp nº 902537).

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