3 de jan. de 2007

Vale a pena ler este belo e profundo texto

A morte do ditador
Romualdo Baptista dos Santos.
Advogado, Procurador do Estado de São Paulo, sócio do Instituto Brasileiro de Direito de Família, membro do grupo de estudos Professora Giselda Hironaka, mestrando em direito pela USP.
Alguma coisa muito triste aconteceu no dia de hoje*: o enforcamento de Saddam Hussein. É certo que se tratava de um tirano, de um ditador, de um déspota e tantos outros adjetivos que lhe possamos atribuir. Mas é certo também que se tratava de um ser humano, portador de uma dignidade que não é só sua, mas que pertence a toda a humanidade.
Ao enforcar Saddam Hussein, verdadeiramente está se enforcando um pouco a cada um de nós, que somos co-partícipes desse valor fundamental chamado dignidade humana. Está-se sacrificando também o direito que, em última análise, se traduz na nossa capacidade de resolver os conflitos de maneira organizada e sem recorrer à violência.
Argumentar que Hussein cometeu crimes imperdoáveis contra a humanidade é pura hipocrisia, pois ao enforcá-lo os americanos se igualam a ele; cometem um ato tão hediondo quanto aqueles de que o acusam.
Por sinal, até agora não se sabe exatamente quais teriam sido os crimes de Saddam Hussein. Provavelmente, seria apenas o fato de ter se tornado líder de uma nação que controla uma imensa reserva de petróleo e de ter matado ou mandado matar aqueles que, com o apoio americano, se opuseram ao seu regime. Não será demais lembrar que a principal acusação pendente contra o ditador, a de manter armas químicas e nucleares, revelou-se uma grande mentira.
Mas, ainda que se possa atribuir a Saddam Hussein toda a sorte de crimes, como querem os americanos, o que não se pode é retaliar, é devolver na mesma moeda, pois isso equaliza as coisas; torna os americanos iguais a Saddam Hussein.
Quanto a nós, pobres mortais que mal compreendemos o que está acontecendo, fica a sensação de que somos todos uns brutos, trogloditas, que não sabemos resolver nossas diferenças de modo razoável.
A humanidade inteira, diante desse episódio, não apenas se veste de luto, como se lamentasse a morte de um ente querido, vitimado por alguma doença ou por um ato praticado por terceiros. A humanidade cobre-se de uma sombra sinistra; veste-se de uma monstruosidade que macula a todos e nos remete a algum tempo e lugar do qual tentamos fugir durante séculos e séculos. A humanidade se aproxima do mal e se afasta do caminho do bem.
É muito triste!
* O ex-ditador foi executado, por enforcamento, numa antiga sede da inteligência militar iraquiana em Bagdá, nas primeiras horas do dia 30 de dezembro de 2006.

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