8 de mai. de 2008

Prescrição e responsabilidade negocial

Agradeço aqui a minha cara aluna Caroline Soldatelli pelo envio deste interessante julgado sobre a não aplicação do prazo prescricional trienal do Art. 206, parágrafo 3º, do Código Civil, para extinguir pretensão ao crédito representado e título de crédito.

Trata-se de Ação de Cobrança ajuizada por Omar Mohamad Ali Tomalih em desfavor de Patrício Paveck Sanchez. Alegou que o réu é devedor da quantia de 1.154,73, representada no cheque emitido em 30/09/1999, requerendo a procedência para o fim de condená-lo ao pagamento.
Frustrada a tentativa de conciliação, em razão da ausência do réu, o juiz leigo opinou pela aplicação da pena de revelia. Sobreveio decisão que, declarando a prescrição com fundamento no art. 206, § 3º, VIII, do Código Civil, julgou extinto o feito, com julgamento de mérito, nos termos do art. 269, IV do Código de Processo Civil (fl. 22). Inconformado, o autor, em sede recursal, busca a reforma do decisum. É o relatório.
Não há questões preliminares pendentes de apreciação, impondo-se desde logo o julgamento do meritum causae. Razão assiste ao recorrente. O prazo de três anos de que trata o art. 206, § 3º, inciso VIII, do Código Civil, também previsto no art. 70 da Lei Uniforme de Genebra, refere-se ao prazo para a propositura da ação de execução fundada em título executivo extrajudicial não regulado por legislação específica, o que não é o caso do cheque. Nos temos do art. 59 da Lei nº 7.357/85, prescreve em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação de execução do título. Prescrita a ação executiva, a Lei do Cheque, visando o adimplemento do débito, concede ao credor o direito de ajuizar, em dois anos, a ação de locupletamento prevista no art. 61. Superados os dois anos, a pretensão de satisfação do crédito encontra amparo na ação ordinária de cobrança, via eleita pelo autor no caso em exame.
O cheque alcançado pela prescrição da ação executiva apenas está destituído das características cambiariformes que lhe eram inerentes, não mais incidindo na espécie a Lei nº 7.357/85 e a legislação aplicável aos títulos de crédito, todavia, constitui-se em forte indício de prova escrita da existência de dívida, estando apto a instruir o feito ordinário.
Quanto ao prazo em que prescreve a ação ordinária de cobrança não há unanimidade na doutrina. Fabio Ulhoa Coelho defende o prazo de 05 anos, nos termos do art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil, ao passo que os demais autores, dentre eles Luiz Emygdio F. da Rosa Jr., defendem o prazo de 10 anos, nos termos do art. 205, do Código Civil. A jurisprudência não destoa do entendimento majoritário da doutrina e aplica, igualmente, o prazo de 10 anos.
Considerando que o cheque de fl. 09 foi emitido em 30/09/1999, sob a égide do Código Civil de 1916, há de ser observada a norma de transição prevista no art. 2.028, que diz: “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”.
O texto supracitado estabelece dois requisitos para que continue sendo aplicável o prazo da lei velha:1. que ele tenha sido reduzido pela lei nova; 2. que, contado pela velha, haja decorrido mais da metade do prazo. No caso em julgamento, não se observa a ocorrência do segundo requisito, motivo pelo qual deve ser aplicado o atual Código Civil.
Explico. O cheque foi emitido em 30/09/1999, estando sujeito, portanto, à prescrição vintenária do art. 177, do Código Civil de 1916. Quando da entrada em vigor do Novo Código Civil, em 11 de janeiro de 2003, referido prazo prescricional foi reduzido para 10 anos (art. 205), todavia não houve o transcurso de mais de 10 anos (metade do prazo vintenário reduzido) a ensejar a aplicação da lei revogada.
Nesse sentido o seguinte julgado: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. PRAZO PRESCRICIONAL DA AÇÃO. DIREITO PESSOAL. ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL. A cobrança de dívida oriunda de cheque cambialmente prescrito obedecia, na égide do Código Civil anterior, à prescrição vintenária, prevista no seu art. 177. No Código Civil de 2002 não houve alteração da natureza da ação, que continua pessoal, mas o prazo prescricional foi reduzido para dez anos. Art. 205 do Novel Estatuto de Direito Material. Os prazos, entretanto, quando reduzidos pelo novo Código Civil, tendo em vista o princípio da irretroatividade da lei e o da segurança jurídica, começam a fluir a partir da vigência do novo Código, ou seja, 11 de janeiro de 2003. Hipótese dos autos em que não transcorreu mais de 10 anos entre a data de entrada em vigor do novo Código Civil e o ajuizamento da ação. Prescrição afastada. Sentença desconstituída. RECURSO DA AUTORA PROVIDO E PREJUDICADO O DO RÉU. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70022045132, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 22/11/2007).
Nesse passo, considerando que a ação foi ajuizada em 15 de julho de 2003 (fl. 02), e que o termo final do prazo de 10 anos, contado este da entrada em vigor do Novo Código Civil, ocorrerá em 11 de janeiro de 2013, forçoso concluir que não houve o implemento do lapso prescricional da presente ação, merecendo reforma a decisão recorrida.
Em não versando a presente causa sobre questão exclusivamente de direito, não incide a regra contida no §3º do art. 515 do Código de Processo Civil, impondo-se a desconstituição da sentença, com o retorno dos autos à origem.
Em razão do exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso para o fim de afastar o reconhecimento da prescrição da ação e desconstituir a sentença, com o retorno dos autos à origem para regular processamento.
Sem sucumbência em face do resultado do julgamento e na forma do art. 55 da Lei nº 9.099/95.
Recurso Inominado nº 71001422906, Comarca de Uruguaiana.

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