15 de fev. de 2007

Que aula de direito, também podendo ser denominado: se todos fossem iguais a você ! ! !

Decisão do TJ/SP. Boletim da AASP. nº 2511. 19 a 25 de fevereiro de 2007.
Parto prematuro. Gravidez trigemelar. Situação de emergência demonstrada. Exigência da carência para parto em caso de urgência e complicação do processo gestacional. Impossibilidade. Proceder incompatível com a natureza do contrato. Aplicação da Lei nº 9.656/98 e do CDC, que contém normas de ordem pública e de interesse social. Recurso improvido (TJSP - 7ª Câm. "A" de Direito Privado; ACi c/ Revisão nº 210.595-4/5-00-SP; Rel. Des. Carlos Roberto de Souza; j. 15/2/2006; v.u.).
Do corpo do Acórdão, pode-se extrair: "Como leciona CLÁUDIA LIMA MARQUES, 'os contratos de planos e seguro-saúde são contratos cativos de longa duração a envolver por muitos anos um fornecedor e um consumidor, com uma finalidade em comum, assegurar ao consumidor o tratamento e ajudá-lo a suportar os riscos futuros envolvendo a saúde deste, de sua família, dependentes e beneficiários.' (in Saúde e responsabilidade: seguros e planos de assistência privada, 1ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 117). Discorrendo sobre a interpretação do contrato de seguro, ERNESTO TZIRULNIK destaca: 'As regras de interpretação das quais dependa a determinação da prestação a cargo do segurador, a seu turno, serão guiadas pelo princípio in dubio pro-segurado, segundo o qual as dúvidas devem solver-se em favor do segurado, princípio antiqüíssimo do direito obrigacional securitário, recentemente confirmado no direito positivo (CDC - art. 47) e que deve ser articulado com a natureza e princípios próprios da modalidade obrigacional examinada, sob pena de sucumbimento dos fundamentos técnicos do seguro e a sotoposição dos interesses transindividuais a mero proselitismo consumerista. (Regulação de Sinistro, 3ª ed., São Paulo, Max Limonad, 2001, p. 41). Neste mesmo sentido, 'é necessário observar que o paradigma da autonomia privada vem cedendo substancial e paulatinamente, com especial ênfase em contratos de massa e de execução continuada, como o seguro-saúde, sofrendo o influxo da denominada boa-fé objetiva, que identifica a relação obrigacional como um processo dinâmico'. (JUDITH MARTINS COSTA, A boa-fé no Direito Privado, 1ª ed., 2ª tiragem, São Paulo, RT, 2000, pp. 381 e segs).Ora, demonstrada a legítima aplicação do CDC, conseqüentemente, a contratação deve ser interpretada de forma mais favorável ao consumidor.
Importante salientar que, a autora aderiu ao contrato em 26/10/1999 e, em 18/8/2000, surgiu a situação emergencial na gestação trigemelar e desencadeou-se o trabalho de parto prematuro depois de dois dias da internação da gestante e, conseqüentemente, nasceram os menores G., C. e R., quando haviam transcorridos 296 dias desde a assinatura da proposta. Dias depois, a mãe deixou o hospital, porém, os filhos ficaram internados na UTI neonatal. Alegando que o parto se deu durante o período de carência, a ré se recusou a cobrir as despesas médico-hospitalares dadas aos requerentes. Tal recusa não pode ser confortada, pois as Cláusulas 6.1, letra e, e 6.2, apesar de sua aparente legalidade formal (está redigida em letras de boa leitura e de fácil interpretação), destoa da orientação do CDC (art. 51, IV do CDC) ao deixar os requerentes em desvantagem exagerada. A autora estava grávida de 31 semanas e houve situação de emergência devidamente descrita pelo Dr. M. S. M. M. (fls. 47) e pela médica C. C. (fls. 46/48).A restrição para a carência prevista na Cláusula nº 6 só se aplica ao plano ambulatorial e não ao plano adquirido pela autora que é o plano hospitalar, que reclama a aplicação do art. 3º da Resolução nº 13/98 e que impõe à apelante a responsabilidade de dar cobertura em atendimentos de emergência até a alta do paciente. Por outro lado, a aplicação de cláusulas restritivas já foi motivo de discussão na Apelação Cível nº 240.762.4/2-00 de minha relatoria. Naqueles autos, a Ilustre Promotora de Justiça Regina Krauter Paim Pamplona, em brilhante e elucidativo parecer, reprisou os termos do art. 3º da Resolução nº 13 do Consu e que dispõe: "Os contratos de plano hospitalar devem oferecer cobertura aos atendimentos de urgência e emergência que evoluírem para internação, desde a admissão do paciente até sua alta ou que sejam necessários à preservação da vida, órgãos e funções."Realmente, ultrapassado o período de 24 horas para os casos de urgência e emergência, não pode vingar qualquer limitação e a cláusula invocada pela ré como fundamento da negativa de cobertura tem redação que não permite mesmo que o aderente tenha noção do seu alcance (art. 46 do CDC), além de estar sendo interpretada de forma totalmente prejudicial ao consumidor, ao arrepio do que determina o art. 47 do CDC.
Ora, uma coisa é a caracterização da preexistência de uma situação sujeita ao prazo carencial prevista na contratação do seguro-saúde e outra é a ocorrência de uma gestação que, certamente iniciada após a assinatura do contrato, tem complicações ditadas pela excepcionalidade da trigimelaridade e que, evoluindo para a situação de emergência, desemboca no parto prematuro. Fosse a autora dotada de dons para-normais e poderia prever que seria alcançada pela referida Cláusula 6, mas como se trata de pessoa normal, só pode ser exigível dela a compreensão do homem médio.A Colenda 8ª Câmara de Direito Privado deste Egrégio Tribunal julgou a Apelação Cível nº 141.861.4/2-00, com a seguinte ementa: "Ação de Cobrança. Prestação de serviços médico-hospitalares. Parto prematuro. Inaplicabilidade do prazo de carência para parto e procedimentos obstétricos, por se tratar de atendimento de emergência. Negativas injustificadas da empresa de autorizar a internação da beneficiária e cobrir os gastos decorrentes do parto e do tratamento ministrado ao recém-nascido. Pagamento das despesas decorrentes da internação, pelo valor do convênio. Cerceamento de defesa não configurado. Ação e lide secundária julgadas procedentes. Recursos não providos". (Fonte: Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo).
Por outro lado, há um ponto que ainda não foi devidamente apreendido por aqueles que têm sufragado a tese da validade da carência, conforme o voto da eminente Relatora Zélia Antunes Alves, acima ementado: '... E o fato descrito nos autos, à luz dos princípios que norteiam o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, é de ser classificado como de emergência, por haver risco manifesto à vida da usuária do plano de saúde e do feto, a autorizar a dispensa do prazo de carência e, via de conseqüência, a imposição do custeio das despesas médico-hospitalares, em cumprimento ao contrato firmado pelas partes,...'

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