20 de mar. de 2007

Sexo explícito ao invés do personagem Pinóchio prometido para as crianças


Ganhar uma ação judicial continua sendo uma coisa complicada - e principalmente demorada. Mais de quatro anos depois que pai e mãe constataram que seus filhos assistiam - por culpa da editora - cenas de sexo explícito ao invés de brincadeiras e mentiras do Pinóchio, - a demanda judicial ainda não terminou. A cena incomum - já registrada pelo Espaço Vital em 2004 quando a sentença foi proferida - pode ser assim resumida: um casal - enquanto recebe amigos para jantar numa peça contígua - deixa seus filhos, na sala de estar na residência, para assistirem a desenhos do mentiroso e narigudo Pinóquio e ... de repente, ao invés de sorrisos folgazões da garotada, há um silêncio intrigante. Os pais vigilantes voltam à sala e ... surpresa ! Seus três filhos, com 5, 6 e 10 de idade estão sendo espectadores de um festival de pornografia. No vídeo, profundas intimidades. No áudio, sussurros e gemidos.

A perplexidade aconteceu em Porto Alegre, em 7 de janeiro de 2003, na residência de uma família de classe média. Poucas horas antes, o participativo pai adquirira um vídeo da Walt Disney Productions, colocada à venda pela Editora Abril S/A. A fita era brinde para quem comprasse um livro com a história de Pinóquio. Em 30 de setembro de 2004, a juíza da 12ª Vara Cível de Porto Alegre, condenou a Editora a Abril a pagar R$ 15.000,00 ao cinco lesados moralmente (R$ 3 mil para cada), com acréscimo de juros de 1% a contar da data do ato ilícito, mais correção monetária. Em valores de hoje, a condenação vai a R$ 27.955,29 mais 20% de honorários. A petição inicial - escrita pelo advogado Artur Garrastazu Gomes Ferreira - revelou a expectativa do genitor, “pensando ter feito uma excelente aquisição, comprando um produto com um fim educativo, pois é notório que as histórias mais antigas de Walt Disney sempre trazem, em seu subliminar, alguma lição de moral". No caso de Pinóquio, a maior lição que se tira é que não se deve mentir. A dura constatação dos pais é que a fita selada, rotulada etc. encerrava uma múltipla pornografia e uma enganosa conjunção contra o consumidor. Uma nariguda mentira - em outras palavras.

A Editora Abril, alegou ser parte passiva ilegítima, pois apenas comercializara as fitas produzidas pela empresa Videolar S/A. (com sede em Barueri/SP), contra quem deveria ser dirigida a ação. Cautelarmente, a Abril fez a denunciação da lide da referida empresa, o que foi negado pelo Juízo. Interposto agravo, foi improvido. Na sentença, a juíza discorreu sobre a fita - embora não refira se a assistiu, ou não. "A fita VHS objeto da presente ação encontra-se depositada em cartório para ser conferida pelas partes, se assim entenderem. Porém, a Editora Abril sequer verificou sobre seu conteúdo, razão pela qual a prova pericial que postulou, sem apresentar qualquer fundamentação a respeito, não encontrou justificativa nos autos” - registra a magistrada Elizabeth Hoeveler. As testemunhas compromissadas afirmaram ter estado na casa dos autores, momentos depois que parte da fita pornográfica foi assistida pelas três crianças, e confirmaram a situação de imenso constrangimento que tomou conta da família. Lembraram que o menino que contava seis anos de idade estava a imitar os gestos pornográficos que assistira."

O prejuízo de ordem moral adveio do fato de as três crianças terem assistido - de forma absolutamente precoce e inadequada - cenas de sexo explícito, que são produzidas com o objetivo de serem efetivamente fortes e libidinosas. Pouco importa que uma das crianças, pela pouca idade, não tenha alcançado o discernimento sobre as imagens vistas" - refere o julgado de primeiro grau. O desembargador Jorge Alberto Pestana, da 10ª Câmara Cível do TJRS, ficou na mesma linha: "o prejuízo de ordem moral sem dúvida adveio do fato de as três crianças terem assistido de forma absolutamente precoce e inadequada cenas de sexo explícito que são produzidas com o objetivo de serem efetivamente fortes e libidinosas". O colegiado negou provimento à apelação da Abril, que queria a improcedência da ação ou a redução do valor. Também rechaçou o recurso adesivo dos autores, que pretendiam a reparação moral de maior valor. Na semana passada, a ré interpôs recurso especial, que se encontra em fase de admissibilidade. Não é mentira de Pinóquio que a ação já dura - desde o ajuizamento - três anos e 11 meses. (Proc. nº 70012343141).

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