18 de set. de 2006

Ofensa a Dever Lateral de Lealdade

TRT da 4ª Região. Recurso Ordinário 073.893.820.060.906-6. Rel. Ricardo Martins Costa. J. 06.09.06. “RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE QUEBRA DA BOA-FÉ OBJETIVA. VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO. O conteúdo contratual é composto por pelo menos duas espécies de deveres, os deveres de prestação e os deveres de proteção. Os primeiros dizem respeito à prestação que caracteriza o tipo contratual, constituindo, no contrato de trabalho, a prestação de serviços, pelo empregado, e a paga de salário, pelo empregador. Os segundos dizem respeito a deveres de conduta, dentre eles os deveres de proteção à legítima confiança, de não defraudar imotivadamente a confiança legitimamente despertada na parte contrária, sob pena de inadimplemento obrigacional na modalidade conhecida como violação positiva do contrato. Hipótese em que o Banco, ao declarar que não mais editaria propostas semelhantes, induziu os seus empregados - e, particularmente, o reclamante - a aderir ao PAI-50. Declarando-a, assumiu a responsabilidade pelo seu cumprimento, ou pelos danos advindos da violação da promessa geradora de confiança. Apelo provido. VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 4ª Vara do Trabalho de Pelotas, sendo recorrente JORGE EDUARDO VIEIRA e recorrido BANCO DO BRASIL S.A. Inconformado com a sentença de fls. 113/115, que indeferiu o pedido de pagamento de indenização, em razão da quebra dos deveres da boa-fé objetiva no contrato, interpõe o reclamante Recurso Ordinário, pelas razões de fls.119/134. Com contra-razões (fls. 138/145), vêm os autos conclusos. É o relatório. ISTO POSTO: 1. INDENIZAÇÃO - DANO DECORRENTE DA QUEBRA DA BOA-FÉ OBJETIVA. Não se conforma o recorrente com a sentença que julgou improcedente o pedido de indenização equivalente às diferenças entre os benefícios estabelecidos pelo PAI - 50 - Plano de Afastamento Incentivado e os estabelecidos pelo PEA - Plano de Estímulo ao Afastamento, em razão do descumprimento, pelo recorrido, dos deveres da boa-fé objetiva no negócio jurídico realizado. Busca a reforma da decisão. Com razão o recorrente. O conteúdo contratual é composto por pelo menos duas espécies de deveres, os deveres de prestação e os deveres de proteção. Os primeiros dizem respeito à prestação que caracteriza o tipo contratual, constituindo, no contrato de trabalho, a prestação de serviços, pelo empregado, e a paga de salário, pelo empregador (deveres primários de prestação). Os deveres de prestação, correspondentes ao direito à prestação, não esgotam, contudo, o conteúdo da relação obrigacional, sintetizando Judith Martins-Costa: "A relação obrigacional (...) não concretiza, tão-somente, o "direito a pretender uma prestação" (como o dever principal de prestação), mas engloba, finalisticamente coligados, também deveres de prestação colaterais e outros deveres de conduta, incluso os deveres de proteção, deveres instrumentais (anexos à obrigação principal ou autônomos) além de poderes formativos (ou "direitos potestativos"), ônus, expectativas legítimas que não se confundem com direitos adquiridos e meras legitimações a receber atos jurídicos de uma certa relevância". Assim defluem do contrato, por conta dos princípios da boa-fé objetiva e a proteção à legítima confiança, deveres de proteção, entre os quais o dever de não defraudar imotivadamente a confiança legitimamente despertada na contraparte, como assegura Mário Júlio de Almeida Costa, em seu livro tantas vezes citado como repositório da doutrina européia mais atualizada: "As exigências pragmáticas do tráfico jurídico e uma legítima aspiração a um direito objectivamente justo postulam que não se atenda apenas à intenção ou vontade do declarante, mas também à sua conduta e à confiança do destinatário". No plano dogmático, pela expressão "princípio da confiança", diz a doutrina, "se está hoje a indicar a fonte produtora de deveres jurídicos e o limite ao exercício de direitos e poderes formativos, tendo em vista a satisfação das legítimas expectativas criadas, no alter, pela própria conduta". Com efeito, tendo em vista a dimensão social e econômica alcançada pelas relações obrigacionais, espera-se das partes cooperação e confiança na realização dos negócios jurídicos. Atuam aí os princípios da proteção da boa-fé objetiva - criando deveres de cooperação, informação e lealdade - e, fundamentalmente, da confiança - vinculando as partes à não frustrar imotivadamente as expectativas legítimas criadas por sua conduta. Explica a doutrina:"Considerados individualmente, pode-se dizer que os deveres de lealdade constringem as partes a não praticar atos (comissivos ou omissivos), anteriormente à conclusão do contrato, durante a vigência dele ou até após a sua extinção, que venham frustrar as legítimas expectativas encerradas no ajuste, ou dele legitimamente deduzidas. Assim, tais deveres vedam ao contratante obstaculizar a execução do contrato, proibindo este, por exemplo, de prevalecer-se de uma situação que contribuíra para criar, em prejuízo do parceiro contratual, ou de uma condição que ajudara a não-implementar "auxiliando o acaso", como, ironicamente, refere a doutrina francesa a propósito do art. 1178 do Code Civil". Há, assim, instrumentalmente voltados para a proteção da legitima confiança, o nascimento de deveres de proteção, que devem ser observados pelos contratantes, sob pena de inadimplemento obrigacional na modalidade conhecida como violação positiva do contrato. Os deveres de proteção mais se impõem quanto maior é a assimetria entre os contratantes, encontrando expressão manifesta no Direito do Trabalho. Com efeito, se por um lado a confiança é um dos fundamentos dos negócios jurídicos, por outro a constituição de uma relação de confiança se realça quando vinculada a uma declaração negocial, assinalando-se: "Nenhuma ordem jurídica poderia tolerar que os negócios jurídicos fossem atos de leviandade, mutáveis segundo o arbítrio exclusivo de uma das partes, sem nenhuma consideração aos legítimos interesses do alter. Pelo contrário, os negócios jurídicos pressupõem declarações marcadas pela seriedade, sendo, como são, dotados de conseqüências jurídicas, uma vez que as declarações negociais são, por sua própria função, especialmente capazes de gerar um qualificado grau de certeza - e, portanto, de confiança - sobre os significados da conduta da contraparte. A manifestação negocial, assim, constitui a confiança legítima, ao mesmo tempo em que o negócio jurídico se fundamenta na confiança". Na espécie, a legitima expectativa do reclamante derivou de declaração unilateral do reclamado, quando do período de adesões ao PAI-50 (de dezembro de 2003 a fevereiro de 2004), no sentido de que não haveria edição de proposta semelhante no futuro. O documento de fl. 38, não impugnado pelo Banco, trata de informações prestadas pelo empregador acerca da adesão ao PAI-50: "Os funcionários de Brasília puderam esclarecer, ontem, 10, dúvidas sobre o Plano de Afastamento Incentivado - PAI 50 com representantes da Unidade de Responsabilidade Sócioambiental do Banco do Brasil. No encontro, realizado na sede do sindicado do DF, o gerente executivo da RSA, Joel Bueno, reiterou que não haverá a edição de uma proposta semelhante no futuro e que o prazo para adesão não será prorrogado, encerrando-se às 19 horas da próxima sexta-feira, 13". Por essa declaração, dotada de inegável eficácia negocial, declarou o Banco que não mais editaria propostas semelhantes, induzindo os seus empregados - e, particularmente, o reclamante - a aderir ao PAI 50. Não fosse essa declaração, nenhum compromisso poderia ser imputado ao Banco. Declarando-a, assumiu a responsabilidade pelo seu cumprimento, ou pelos danos advindos da violação da promessa geradora de confiança. Sabe-se que as declarações unilaterais receptícias, uma vez recebidas pelos destinatários, vinculam obrigacionalmente, constituindo verdadeira fonte obrigacional. Essa vinculação se dá porque mesmo os negócios unilaterais, registrando Menezes Cordeiro: "O Direito tutela (e cristaliza) o negócio jurídico pela necessidade de proteger a confiança que ele suscita nos destinatários e, em geral, nos participantes da comunidade jurídica. Tendo, voluntariamente, dado azo ao negócio, o declarante não pode deixar de ser responsabilizado por ele". Há, assim, estreita ligação entre eficácia de vinculação das promessas e demais negócios unilaterais e o princípio da confiança. Observe-se a doutrina: "Trata-se, evidentemente, de uma confiança adjetivada - a confiança legítima (também dita "expectativa legítima"). O qualificativo "legítima", aposto à idéia de confiança ou de expectativa confere objetividade ao princípio, afastando-o das puras especulações psicológicas. (...) Assim objetivada e dotada que é de conteúdo moral e de relevância econômica, a confiança acaba por compor o núcleo do Direito das Obrigações atual e, vinculada que é à boa-fé objetiva, transforma-se em fonte de eficácia jurídica, servindo, também como fundamento da vinculabilidade dos negócios jurídicos". Tal declaração unilateral, criando uma expectativa legítima na parte contrária, vincula juridicamente o sujeito que as produziu. O rompimento da conduta declarada, que pautou o comportamento alheio, se constitui, portanto, em verdadeiro inadimplemento negocial. A propósito, nesse sentido, a lição de Jorge Cesa Ferreira da Silva: "Aplicada sobre a relação obrigacional, portanto, a boa-fé - incluindo-se nela a idéia de confiança - desenvolve uma eficácia que se inicia com os primeiros contatos negociais entre as partes, passa pelo desenvolvimento do vínculo e sua interpretação e atinge os deveres posteriores à prestação". Resta claro, portanto, que o Banco produziu, efetivamente, uma declaração negocial, com conteúdo hábil a definir a decisão do empregado de vinculação ao negócio jurídico, qual seja, a adesão ao PAI-50. Os programas de afastamento lançados pelo empregador, como, inclusive, admite o banco em sua defesa, têm o intuito de operar uma redução no seu quadro de pessoal, oferecendo aos empregados determinados benefícios que constituam incentivo para seu afastamento do posto de trabalho, através de distrato. Não atingido o percentual de adesões esperado com o plano antigo, lançou o empregador, após menos de quatro meses, novo plano, com os mesmos requisitos, estabelecendo, no entanto, maiores incentivos. É manifesto o descumprimento do dever de proteção por parte do empregador, pelo rompimento da conduta a que se vinculara mediante a declaração negocial e que condicionou a adesão do empregado, o que se traduz em verdadeiro inadimplemento obrigacional gerador de danos ao reclamante. Houve, ademais, induzimento errôneo à adesão em plano menos benéfico, do que decorreu, objetivamente, o dano. Frente aos prejuízos sofridos em decorrência da adesão ao plano menos benéfico, ante a quebra da confiança pelo empregador, faz jus o trabalhador ao pagamento de indenização correspondente. Não há que se falar em ofensa ao ato jurídico perfeito, uma vez que a realização do negócio não observou "a lei vigente ao tempo em que se efetuou", na forma do art. 6º, §1º da Lei de Introdução ao Código Civil, porquanto afronta ao estabelecido no art. 422 do Código Civil. Dou provimento ao apelo, para condenar o reclamado a pagar ao reclamante indenização correspondente a um salário bruto e à indenização mensal no valor de R$ 456,74 (quatrocentos e cinqüenta e seis reais e setenta e quatro centavos), até a data em que adquirir condições temporais para a aposentadoria, independente de sua concessão, ou até a data da efetiva aposentadoria pelo INSS, o que ocorrer primeiro, nos termos estabelecidos na cláusula 02, item "a", I e IV, respectivamente, do Livro de Instruções Codificadas de fls. 46/50, que dispõe sobre o PEA. Ante o exposto, ACORDAM os Juízes da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: à unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso ordinário do reclamante para condenar o reclamado ao pagamento de indenização correspondente a um salário bruto e à indenização mensal no valor de R$ 456,74 (quatrocentos e cinqüenta e seis reais e setenta e quatro centavos), até a data em que adquirir condições temporais para a aposentadoria, independente de sua concessão, ou até a data da efetiva aposentadoria pelo INSS, o que ocorrer primeiro, nos termos estabelecidos na cláusula 02, item "a", I e IV, respectivamente, do Livro de Instruções Codificadas de fls. 46/50, que dispõe sobre o PEA. Valor da condenação que se arbitra em R$20.000,00, para todos os efeitos legais. Custas de R$ 400,00 revertidas ao reclamado.”

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